Menos PowerPoint e mais ponto cruz
Recentemente, tive a magnífica oportunidade profissional de liderar o lançamento da Uniqlo, na Espanha. Provavelmente, o maior desafio de minha carreira até hoje, não só pela transcendência do evento, mas também pela maravilhosa oportunidade de começar algo do zero.
A marca não era nova para mim. Sendo uma boa referência de branding e criatividade em nível mundial, sempre havia sido uma marca para levar em consideração. Mais ainda, por ser eu mesmo um cliente que se rendeu às vantagens da qualidade do seu produto e à magia de poder consegui-la a um preço tão bom, desde há anos, quando a descobri em Londres.
Encarei o desafio com entusiasmo e com certa ansiedade, consciente da expectativa que havia e do que supunha esse lançamento para a empresa, e desde o primeiro momento soube que não poderia fazê-lo sozinho. Como organizar um lançamento tão imponente a partir do zero? Como fazê-lo sem cair no erro, infelizmente tão frequente entre nós que nos dedicamos ao marketing, que é o de se deixar levar pela própria vivência e pelas ideias pessoais? Só havia uma opção: ouvir muito bem o cliente. Encontrar com ele, fazer perguntas e ver como poderíamos nos conectar. Ficar fechados em nossa jaula de ouro do marketing estratégico não iria ajudar. Quantas vezes nós decidimos coisas com base naquilo que vemos em nosso ambiente? Errado. O clientecentrismo deve ser a base de qualquer boa estratégia de marketing. Lembro-me com frequência de um professor de criatividade que tive e que sempre nos dizia: “o consumidor é a sua avó”. Isso, sem dúvida, se inspirava na frase mítica de David Ogilvy – pai da publicidade atual – que sempre recordava: “O consumidor não é estúpido. O consumidor é a sua mulher, e eu não quero que ninguém engane minha mulher”.
A avó de que falava meu professor converteu-se hoje num ente digital que sabe tudo o que é preciso saber e que, além disso, sabe que sabe e, portanto, exige. Além disso, perdeu o medo das grandes empresas e as enfrenta quando quer, por meio das redes sociais, para o bem e para o mal. Porque lê tudo, vê tudo, aprecia tudo durante a maior parte do dia por meio da telinha do seu celular, do seu tablet, da sua televisão, do seu Facebook, do Instagram de sua prima.
A avó de que falava meu professor converteu-se hoje num ente digital que sabe tudo o que é preciso saber e que, além disso, sabe que sabe e, portanto, exige
Hoje mais do que nunca é preciso ser sincero e transparente, humano e próximo, ou então correremos o risco de que não gostem de nós e, portanto, não comprem de nós. Portanto, como bons líderes de comunicação e marketing, devemos parar de olhar para o nosso umbigo e nos rendermos ao único egocentrismo capaz de nos ajudar: o do cliente, o de nossa avó. E para nos auxiliar nesta empreitada, compartilho aqui algumas máximas que ajudarão o leitor a ser ainda mais eficaz na hora de executar seus planos de marketing ou de comunicação:
- Saia da torre de cristal do polígono e pise na rua, sem o seu automóvel. Seu cliente não verá você porque ele está o dia inteiro consultando seu celular, mas você comprovará como esse aparelho é importante para ele (mais da metade das compras online na Espanha são feitas hoje em dia por meio do celular).
- Cancele a metade das suas reuniões. Reúna-se com sua vovozinha e não faça nada; deixe-a falar, pois isso vai render mais. Menos PowerPoint e mais ponto cruz.
- Crie seu alter ego digital e siga o seu consumidor. Instagramer, twiteiro… priorize o que o seu cliente mais utiliza e deixe levar por sua criatividade. Não faça isso com os canais da sua marca; depois você aplicará neles tudo o que aprender em seus próprios canais. Crie sua marca pessoal digital, semelhante a sua marca e ao seu consumidor.
- Receba sua vovozinha eu sua casa, em sua loja. Gastar tempo no ponto de venda é fundamental; pergunte o que ela quer e sirva o melhor de você mesmo.
- Você precisa ter sensibilidade para o seu ambiente. O cliente é egocêntrico e só quer que escutem ele. Sua avó quer mimos ou likes no Instagram.
- Conte-lhe uma história antes de ir dormir. Mas que seja sempre real e com final feliz, senão a vovózinha irá dormir aborrecida, terá pesadelos e no dia seguinte não vai querer mais ver você. Que o storytelling seja sempre relevante e de acordo com a situação e com o cliente.
- Se transforme em seu próprio cliente. Você acha que não tem nada em comum com a sua avó? Tem mais do que pensa.
- As amigas de sua vovózinha são suas amigas. O círculo digital do seu consumidor dará a você tantas ou ainda mais informações do que ele próprio.
- Escolha os melhores colaboradores, os que entendam sua vovózinha e saibam como se dirigir a ela.
- Leve sua avó para passear. No parque, no cinema, onde ela gosta de ir? O entretenimento é fundamental para que ela fique contente e goste de você, o aceite e o respeite. As cuidadoras chatas da residência não lhe agradam; converta-se em seu neto legal e você ganhará o melhor presente no Natal.
Você precisa ter sensibilidade para o seu ambiente. O cliente é egocêntrico e só quer que escutem ele. Sua avó quer mimos ou likes no Instagram
Algumas destas coisas podem parecer óbvias e banais, no entanto, nós as esquecemos rapidamente e caímos no todo-poderoso egocentrismo de marca prepotente e distante da realidade. Para mim, foi muito útil recordá-las ao aterrissar esta grande marca na Espanha. Em todo este processo de lançamento de marca, conheci muitas avós e sei claramente que sem elas nós não teríamos alcançado semelhante sucesso, impacto no mercado e posicionamento em tempo recorde como fizemos. Elas continuam fiéis à nossa proposta e nós continuamos comendo rosquinhas de leite no lanche com frequência, pois este é o tempo mais bem empregado. Vamos abrir passagem, pois está chegando e se impondo o avócentrismo.