UNO+1: entrevista a José Juan Toharia
Por José Antonio Zarzalejos
“A cidadania está à frente das respostas que as grandes empresas oferecem”
Ele é um homem pequeno, observador e que exala cordialidade. Professor emérito de Sociologia da Universidade Autônoma de Madri, é duas vezes doutor: em Direito pela Universidade Complutense de Madri e em Sociologia pela Yale University (USA) com tese orientada por Juan J. Linz. Também é empreendedor: em 2004 fundou o METROSCOPIA, o Instituto de Pesquisa Social e Opinião, provavelmente, o mais importante e renomado da Espanha. Após uma longa conversa, peço para falarmos dos cidadãos-clientes e de suas relações com as empresas. O sr. Toharia está equipado com pesquisas e análises. Ele é um homem que fundamenta suas afirmações em dados, o que lhe transformou em uma referência de solidez intelectual e analítica.
– Em quem confiam as pessoas no nosso país, quais setores são confiáveis para os cidadãos? Eles confiam nas empresas?
– Na Espanha, o mundo empresarial conseguiu escapar, embora de forma desigual. Deposita-se muita confiança nas PMEs, da mesma forma que na Itália e na França. As pequenas e médias empresas têm uma boa reputação. É importante destacar que 54 % dos consultados em nossas pesquisas já consideraram seriamente empreender uma iniciativa empresarial, o que vai contra essa ideia de que os espanhóis preferem ser funcionários públicos a empresários. O mundo empresarial está associado aos valores da liberdade, da criatividade, da ilusão. É importante levar em consideração que 80 ou 90 por cento dos consultados trabalham em PMEs.
– E o que acontece com as grandes empresas?
– Não estão mal avaliadas. De fato, 42 % aprovam as grandes empresas diante de 18 % nos Estados Unidos, o que é realmente curioso. A confiança nas companhias importantes resulta especialmente da qualidade do produto ou do serviço, ou seja, da marca. Pois bem, essas grandes empresas estão em uma ambivalência. Por uma parte, inspiram respeito, mas também receio. A grande empresa é vista, diferentemente das PMEs, como anônima e opaca, as responsabilidades são consideradas diluídas, são vistas em operações de compra e venda e tudo isso inspira certa desconfiança. Essas companhias sabem disso e, para se aproximar mais da sociedade, inventaram a Responsabilidade Social Corporativa como forma de melhorar sua imagem.
42 % aprovam as grandes empresas diante de 18 % nos Estados Unidos, o que é realmente curioso
– O que você acha que os clientes esperam dessa evolução nas grandes empresas?
– Basicamente, eu diria que algumas políticas de responsabilidade social não são muito rentáveis. Por exemplo, o patrocínio de grandes eventos. A cidadania, salvo quando se trata de casos de assistência a grandes catástrofes ou iniciativas humanitárias, prefere políticas de melhor tratamento de seus trabalhadores e atendimento dos seus clientes. Os funcionários são os melhores embaixadores das empresas. Esse aspecto é muito valorizado pelos clientes: observar funcionários satisfeitos inspira confiança. Os clientes consideram muito estar no centro das políticas empresariais por meio do atendimento que recebem, mediante uma publicidade que não seja enganosa e apreciam a transparência.
– Você acha que durante a crise houve um tratamento ruim aos clientes, especialmente por parte de empresas de serviços?
-Sim, certamente. Eu diria que as empresas mais bem avaliadas durante a crise são as que fizeram um determinado esforço com respeito ao seu ambiente de trabalho e atuação. Darei um exemplo: Juan Roig, com a Mercadona, criou políticas muito interessantes durante a crise, na forma de adquirir os produtos, na forma de contratar as pessoas; não é a única, claro, mas serve como exemplo. As companhias telefônicas suscitam mais críticas entre os jovens porque a manutenção de seus celulares ficou mais cara. Algumas percepções também são importantes: é o caso da Inditex, na qual Amancio Ortega projeta cordialidade, sem ostentação de riqueza, esforço pessoal para chegar onde chegou…esses são valores que na crise e agora são muito valorizados.
– Você percebeu nas empresas a necessidade de ter departamentos fortes de atendimento ao cliente?
– Na verdade, não. Eu, por exemplo, tento fazer com que os empresários tenham uma boa informação sobre o contexto do que ocorre na Espanha, do que os seus cidadãos pensam. Se eu os proponho isso, eles acham muito interessante, mas depois não tratam a questão com profundidade. Mas nem sempre, existem algumas grandes empresas que começam a seguir por esse caminho. Alguns setores têm problemas de reputação, entretanto, não pesquisam o contexto.
– Eu deduzo que existe certa insensibilidade empresarial com relação ao que pensam os cidadãos-clientes.
-Sim, é isso mesmo. São muito poucas as empresas que nos demonstram seu propósito de saber o que os espanhóis pensam sobre as grandes questões do país. Para a maioria delas isso parece interessante, mas elas não terminam por indagar, não levam a sério esse tipo de estudo. Os grandes empresários se sentem preocupados com a contagem de resultados, porque entre os grupos de interesse, os acionistas estão à frente dos clientes. Em termos de opinião pública, predomina o critério de que se prestou pouca atenção aos funcionários e aos clientes.
A cidadania está à frente da resposta que é recebida das grandes empresas
– Os cidadãos, clientes, contribuintes estão reagindo diante desse desinteresse e de sua prostração entre as prioridades empresariais?
– O espanhol começa a ser exigente e a buscar avaliações das empresas, por exemplo, por meio da internet. Porém, na Espanha isso ainda não foi totalmente consumado, diferentemente dos Estados Unidos ou a OCU (Organização de Consumidores e Usuários, na Espanha). Nos EUA, o Consumer Reports é “a bíblia”. Ralph Nader foi seu impulsionador. Ele escreveu o livro “Inseguro a qualquer velocidade” que revolucionou a indústria de segurança relacionada aos automóveis. Nader se tornou o defensor do consumidor. Pois bem: isso tem sido introduzido na Espanha. No entanto, nos Estados Unidos não se compra sem a referência dos Consumer Reports de cada produto. Aqui as pessoas buscam uma referência de contraste, de confiabilidade. Existe a OCU, com alguns problemas de credibilidade, mas também as redes sociais que vêm adquirindo um certo protagonismo nesse aspecto. Mas existe também uma desconfiança de base, e isso as empresas não identificaram muito bem. Gasta-se muito dinheiro em publicidade e pouco no conhecimento de seus mercados por meio de seus clientes atuais ou potenciais.
– Isso que você está dizendo significa que na Espanha ainda temos um caminho a percorrer quanto à consideração do cliente
-Sim, a cidadania está à frente da resposta que se recebem das grandes empresas. Percebe-se que não está sendo dada a resposta adequada. Há uma demanda de atendimento clara e bem compreendida que nem sempre se consegue captar. E há vezes que os clientes não entendem patrocínios e outras iniciativas caras quando comparadas com o atendimento que eles recebem.
– Você está dizendo que seria pertinente uma reformulação da responsabilidade social corporativa mais voltada para o cliente?
– Exatamente. As causas humanitárias são compreendidas. Outras, não. O apelo é para que sejam criadas políticas voltadas para os funcionários e os clientes. Essas são as prioridades que se exigem.
– As empresas têm sociólogos e psicólogos para detectar os movimentos de seus clientes ou essa cultura de inteligência corporativa não pegou?
– Ainda não pegou. Os serviços de estudos contam com grandes economistas. Mas em poucas empresas existem profissionais que detectam “por onde sopra o vento” da sociedade. Isso é uma raridade nas empresas espanholas. Provavelmente, isso tem a ver com a formação dos empresários, que contemplam os clientes só como consumidores. As empresas de publicidade estão começando a mudar, especialmente com estudos qualitativos e não tanto quantitativos.
– Essa falta de sintonia entre empresas e clientes tem a ver com uma cultura na Espanha caracterizada pelo populismo como “pessoas que vêm de cima e pessoas que vêm de baixo”?
– Sim, no fundo é isso. Todos queremos saber como é o mundo, por que vivemos nele. Existem realidades que só são bem percebidas de fora. O que acontece é que as pessoas acreditam que a realidade é o que se percebe no seu âmbito próprio. E não é assim. Por isso, falta um toque de profissionalização nas empresas espanholas. Na Espanha, não havia empresários até a transição democrática (1977-78); agora estamos avançando, mas falta essa sensibilidade social de se interessar pelo que a sociedade pensa.