Argentina em 2012, um país fortalecido pela sua inserção internacional
A América Latina crescerá este ano 3,5% ou mais, liderada pelo Brasil, que se ampliará 3%/4%. O mais notável desse auge, pós-crise internacional 2008/2009, é que todos os países da América do Sul têm a mesma estrutura de comércio exterior, com mais da metade de suas exportações constituídas por matérias-primas (soja, cobre, mineral de ferro): Brasil 56%; Chile, Colômbia, Peru, 70%/80%.
A China se transformou também no maior sócio comercial dos países da Região, principalmente do Brasil, Chile e Peru e, considerada como país individual, no principal destino das exportações agro-alimentares argentinas. A correlação entre o preço das exportações da América do Sul e a demanda industrial chinesa é mais de 60%.
O efeito mais importante da irrupção da China/Ásia no comércio internacional é a modificação que provocou nas condições de intercâmbio global (relação entre o preço das exportações e o preço das importações). Por isso, para o resto dos países emergentes, principalmente os da América do Sul, desapareceram as vantagens comparativas nos produtos industriais trabalho-intensivos e reapareceram em grande escala as vantagens comparativas na produção de commodities.
Todos os países da América do Sul têm a mesma estrutura de comércio exterior, com mais da metade de suas exportações constituídas por matérias primas
O resultado é que a estratégia de desenvolvimento que impõe à América Latina a nova estrutura do acúmulo global com sue pilar na China surge agora, por necessidade, da transformação irreversível dos termos de intercâmbio. A China se transformou, em 20100, na principal investidora direta no Brasil, como já acontece no Peru (Camisea/Us$ 4.3 bilhões) com investimentos em mineração, aço, indústria automotiva e infraestrutura. A República Popular é a maior exportadora mundial de capitais, com investimentos diretos no exterior que esse ano passa de US$ 100 bilhões.
O que está acontecendo é que a República Popular Chinesa começa a renovar seu excesso de economia dirigindo a outros países emergentes, da mesma forma que tem feito nos últimos 15 anos com os Estados Unidos, quando adquiriu títulos do Tesouro por US$ 1.5 bilhões. A contrapartida é que as exportações brasileiras à China aumentaram 60% no ano passado a um ritmo mais acelerado que o da região asiática. A integração crescente entre a China e o Brasil faz parte do incremento do comércio Sul-Sul, uma das manifestações centrais da virada da demanda mundial dos países avançados aos emergentes. O comércio Sul-Sul, primordialmente Ásia/América do Sul, aumentava a 45% do total do comércio mundial em 2011.
O problema da América do Sul não é a estrutura de suas exportações baseada nas matérias-primas, e sim seu fraco crescimento potencial a longo prazo, sua baixa taxa de investimento e sua nula ou negativa produtividade. A América do Sul não é castigada pela “maldição das matérias-primas” –valorização da moeda e incapacidade de exportar dos outros setores da economia–, mas sim pela sua incapacidade histórica para incrementar a produtividade através de um processo incessante de aberturas e reformas.
Isso é o que cria uma estrutura econômica heterogênea e divergente entre o setor de matérias primas e o restante. No entanto, quando a produtividade do conjunto é alta, a disponibilidade em grande escala de matérias-primas é uma benção. É o caso da Austrália, do Canadá, dos países escandinavos e dos Estados Unidos, entre outros.
Nesse contexto, a Argentina se encontra extremamente fortalecida. A economia argentina teve uma média anual de crescimento de 2.5% entre 1950 e 2008 (1.1% de aumento do PIB per capita); virtual estagnação. Além disso, entre 1970 e 1990 o PIB por habitante afundou (-15%). De repente a tendência mudou, e entre 1990 e 2010 a renda per capita cresceu 60% e houve crescimento com um aumento notável da relação exportações/PIB (+30%).
A América do Sul não é castigada pela “maldição das matérias-primas”, mas sim pela sua incapacidade histórica para incrementar a produtividade através de um processo incessante de aberturas e reformas
A partir da década de 90, a produção agro-alimentar liderada pela soja (farinhas e azeites) começou a crescer de forma constante. O que está acontecendo é que pela primeira vez em setenta anos a Argentina dispõe de uma produção que o mundo tem o interesse de comprar, principalmente o setor mais vigoroso do capitalismo globalizado: China/Ásia.
Por isso, têm surgido superávits externos estruturais e acumulativos capazes de financiar as importações necessárias para suportar uma alta taxa de crescimento. Em resumo, desapareceu a crise crônica do setor externo.
O superávit comercial este ano será de US$ 9.3 bilhões. É o mesmo que vem acontecendo desde 2002/2003, quando a Argentina conseguiu um superávit comercial estrutural que estava entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões por ano (2007, US$ 15 bilhões/2008, US$ 20 bilhões). Durante esse período (os últimos nove anos) o superávit comercial acumulado passa de US$ 160 bilhões.
O superávit comercial acumulado ao longo da última década significa que o país conseguiu resolver a crise do seu setor externo, que foi a sua crise estrutural nos últimos 80 anos
A composição fundamental deste superávit é nítida. Mais de 2/3 do total das exportações argentinas é referente à produção agro-alimentar; o único setor industrial que exportou significativamente é o automotor. No entanto, a balança comercial industrial seria, este ano, negativa em mais de US$ 35 bilhões.
Desde julho de 2007 até março deste ano saíram da Argentina US$ 80 bilhões, fazendo com que a partir de outubro de 2011 se estabelecesse o controle de mudanças atualmente vigente. Mas, diferente de todas as crises anteriores, essa vez a crise do setor externo não foi consequência de uma queda das exportações (em volume ou preço), mas sim de um fenômeno estritamente político, de ordem interna (crise de confiança/crise de credibilidade). Em 2011, entraram US$ 25 bilhões procedentes das exportações agro-alimentares, cujo valor (em valores do mercado mundial) aumenta a US$ 40.8 bilhões; esse mesmo ano escaparam do país US$ 25 bilhões.
O superávit comercial acumulado ao longo da última década significa que o país conseguiu resolver a crise de seu setor externo, que foi a sua crise estrutural nos últimos 80 anos (e em especial desde 1950). “O problema econômico argentino não se deve a um excesso de indústrias, mas sim à escassez de exportações de toda a índole: rurais, minerais, manufaturas e inclusive serviços (…) e o resultado foi uma escassez persistente de divisas que geraram taxas muito baixas de formação de capital real e de incremento da produtividade”, afirmou Carlos F. Díaz Alejandro (Ensaios sobre a história econômica argentina, 1970, em tradução livre).
A crise do setor externo –insuficiência de dólares por meio de exportações genuínas capazes de financiar um aumento na taxa de crescimento das importações durante as etapas de alto crescimento– foi até o ano 2001/2002 a raiz estrutural da crise argentina, que adquiriu toda a sua gravidade ao aliar-se com a crise política. Por isso a extrema volatilidade característica da economia argentina até a crise de 2001/2002. Isso é o que foi superado nos últimos dez anos.