O relato empresarial na excelência da cultura e do esporte
Em um brilhante artigo (“A lenda do empresário excelente”) ((Jornal El País de 1 de abril de 2012.)), a professora de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valencia, Adela Cortina, destacava que os cidadãos têm um nível de confiança mínimo nos políticos, e que a maioria não deposita maior confiança nos empresários. Ela constatava que “desde os anos setenta do século passado, o mundo empresarial se viu imerso em expressões éticas: direção por valores, códigos de ética, responsabilidade social corporativa, códigos de boa governança, banco ético, banco solidário, comércio justo, consumo responsável, observatório de responsabilidade…” No entanto, “as pessoas não percebem as empresas como aliadas na construção de uma sociedade melhor”, concluía Cortina. E acrescentava que na nossa literatura e na galeria de personagens morais não estavam os empresários, observando que não foram incorporados como arquétipos de referência nem no relato do progressismo nem do cristianismo – nem mesmo do conservadorismo. Curiosamente, Adela Cortina, sem dúvidas uma das intelectuais contemporâneas mais perspicazes, apenas menciona o tenista Rafael Nadal como “personagem atrativo pelo seu bom desempenho”, apelando para a necessidade de “contar o verdadeiro relato dos empresários excelentes”.
Nessa nuvem de valores, emoções, sensações, empatias e admirações, insere-se o relato da empresa que se apresenta perante o público e os grupos de interesse como protetora, de um lado, dessas disciplinas, mas também, por outro lado, como partidária dos seus valores, procurando um contágio benéfico e efetivo para a consecução dos seus objetivos
Talvez a queda da capacidade de referência da empresa e dos empresários depois da Grande Recessão de 2008 tenha relação com as causas que Laurent Habib implacavelmente lista no seu decisivo livro “La comunicación transformativa” ((La comunicación transformativa. Laurent Habib. Editorial Península. Janeiro de 2012.)), muito concretamente explicadas no oitavo capítulo da obra (“La crisis de la empresa”). Habib afirma que houve “manipulação e mentira” no “coração da economia”, e que a “ilusão de um liberalismo moral” tentando projetar a existência de uma “empresa virtuosa por natureza” sob cujo amparo começou a “era da fundação de empresas e dos investimentos em matéria de patrocínio”, mas “frequentemente organizadas de forma aleatória e lúdica” passando a impressão de que se tratava de iniciativas tomadas “em função da vontade” do presidente em exercício. Nenhuma dessas medidas conseguiu, segundo Habib, conformar uma comunicação de transformação –ou seja, de recriação– as quais ele denomina de “ideias vãs” que foram corroendo a reputação das empresas.
Na observação de abstrações que possam ser personificadas: o esforço, a autoexigência, o espírito de superação, a competitividade, a atitude positiva para ganhar e melhor ainda para perder, o combate à adversidade, a perseverança, a criatividade, o risco, a ilusão
Como transmitir valores referenciais associados à empresa que sejam assumidos como tais pela opinião pública e pelos grupos de interesse das companhias? Os observadores mais criativos dos departamentos de comunicação das grandes corporações elaboraram uma análise dupla. Ambas pelo método interrogativo: Quais são as carências para alcançar a emoção dos usuários, clientes, acionistas e trabalhadores? Onde estão os valores que geram mais empatia com todos eles? As respostas não estavam na materialidade, mas sim no âmbito do que não é tangível. Na observação de abstrações que possam ser personificadas: o esforço, a autoexigência, o espírito de superação, a competitividade, a atitude positiva para ganhar e melhor ainda para perder, o combate à adversidade, a perseverança, a criatividade, o risco, a ilusão. Todos esses valores já não podiam ser percebidos nos grandes atores e atrizes do cinema, nem nos cantores de tendências, menos ainda nos políticos. Apenas dois espaços do interesse social atraiam a atenção e a admiração empática dos cidadãos: os melhores atletas e os grandes criadores, escritores, pintores e escultores e, por associação, todo o grande universo –raiz etimológica da palavra universidade– da pesquisa e do conhecimento.
A tarefa de conduzir o fio do relato empresarial na teia do esporte, da cultura e do conhecimento não foi fácil. Além de fornecer recursos por meio de patrocínios, a empresa se aproximou da trajetória dos mais destacados personagens desses campos. Alfonso Rodés ((Declarações publicadas em Cinco Días, de 5 de março de 2012)) presidente da Global Media Sports Forum Barcelona, afirmava recentemente: “valores do esporte como a superação, o trabalho e o esforço são os valores que a sociedade exige”. Com certeza. Mas o empenho dispõe de um aspecto delicado: é necessário localizar esse atleta e esse cientista-escritor-pintor que tenha capacidade de empatia, que chegue até as pessoas, que provoque uma emoção positiva. Nesse sentido, na Espanha, foram registrados fenômenos com sucesso extraordinário: Fernando Alonso, na Fórmula 1 –patrocinado pelo Banco Santander–, é um grande sucesso. A instituição financeira espanhola mais internacionalizada recebe “três euros por cada euro investido na escuderia Ferrari” ((Informação publicada no jornal Cinco Días, de 28 de fevereiro de 2012.)) e muitas empresas espanholas optaram por “dirigir” outras, até chegar a mais de 85 milhões de euros. ((Informação publicada no jornal Expansión, de 17 de março de 2012.)) O que dizer de Cristiano Ronaldo, do anteriormente mencionado Rafael Nadal, ou de Lionel Messi, rosto e nome de grandes companhias e marcas?
É necessário localizar esse atleta e esse cientista-escritor-pintor que tenha capacidade de empatia, que chegue até as pessoas, que provoque uma emoção positiva
Além do Universia, grande patrocínio universitário do Santander, a atividade desenvolvida pelo BBVA com os seus prêmios cientistas e culturais são um grande evento, quase um ritual na Espanha, acompanhado no caso dessas entidades de programações de alta qualidade, tanto em ciclos de palestras quanto em exposições de pintura. As suas respectivas fundações investem seus recursos em publicações e prêmios, outras, como a Rafael del Pino, levaram adiante iniciativas bibliográficas com o apoio do grande patrocínio: sem a decisiva colaboração da fundação do grande incentivador da Ferrovial não teria sido possível a publicação e distribuição dos três volumes que reúnem mais de cem ensaios de especialistas, espanhóis, latino-americanos, asiáticos e de outros países europeus, a respeito do bicentenário da Constituição de Cádis. Talvez a Espanha, sem a ação da Fundação Iberdrola, não disporia de qualquer patrimônio artístico e arquitetônico da época românica nem a seleção espanhola de futebol contaria com meios tão extraordinários se não contasse com o apoio da empresa de energia e de outras empresas de diferentes setores. Logicamente, determinadas pesquisas em medicina também seriam impossíveis sem a simbiose entre a empresa e a universidade.
Os valores do esporte e da cultura não necessitam de idioma: constituem um acervo moral e emocional quase universal. Porque ambas as atividades estão relacionadas ao progresso, ao talento, ao civismo e ao esforço individual, mas protegido coletivamente. Nessa nuvem de valores, emoções, sensações, empatias e admirações, insere-se o relato da empresa que se apresenta perante o público e os grupos de interesse como protetora, de um lado, dessas disciplinas, mas também, por outro lado, como partidária dos seus valores, procurando um contágio benéfico e efetivo para a consecução dos seus objetivos. Esse vínculo entre empresa e cultura/esporte começou a transformar a comunicação, não apenas superando a mensagem publicitária, mas também a vulgaridade do relato barato. A empresa voa alto, tão alto como o fazem seus heróis e os grandes benfeitores do conhecimento. Refletem-se neles, procurando uma etapa diferente, uma personalidade moral –do modo como Adela Cortina compreende esse conceito– para recuperar o terreno perdido. Conseguem? Sim, estão conseguindo chegar à epiderme, ou seja, superficialmente. Penetrará na pela quando os valores patrocinados pelas empresas se transformem em atitudes habituais, em códigos de conduta, das próprias companhias. Os ajustes impostos pela crise e as duras medidas impostas para manter a sustentabilidade empresarial ainda perturbam demais a nitidez de uma trama empresarial que mesmo assim encontrou uma forma de comunicação transformativa na cultura do esforço e do risco, ou seja, no esporte, na cultura e no conhecimento.