UNO + 1 Entrevista de José Antonio Llorente a Pepita Marín
Aos 23 anos Pepita Marín deixou seu trabalho em uma multinacional para empreender. Durante uma viagem a Nova York, viu a uma jovem hipster tricotando no metrô. Isso foi suficiente para que tivesse a inspiração. Foi nesse momento quando, junto com um de seus companheiros de trabalho, Alberto Bravo, decidiu começar um pequeno negócio online que consistia em vender lã por Internet. Investiram pouco mais de 13.000 euros e o denominaram “We Are Knitters”. Foi faz uma década, em plena crise financeira. Hoje fatura 15 milhões de euros. Aproximadamente 95% de seu negócio está fora da Espanha. As vendas se concentram em países como Estados Unidos, França e Alemanha.
Neste número da revista UNO, que reflexiona acerca da criatividade e seu papel em diversos âmbitos e setores, nos aproximamos à perspectiva de Pepita Marín, CEO e cofundadora desta empresa que vende kits de tricotar online para todos os públicos que, além disso, conseguiu seu melhor resultado em 2020, com a pandemia. Somente em um dia, pouco depois de começar o confinamento, chegaram a vender mais de 100.000 novelos. O coronavírus, e o maior tempo que passamos em casa, disparou um velho hobby de nossos antepassados: o de tricotar.
A marca que vocês criaram faz já uma década, We Are Knitters, tem um selo pessoal muito especial, muito fácil de reconhecer e, sobretudo, muito fácil de entender. Que papel teve a criatividade para chegar a um produto final com essas características?
Sem dúvida, a criatividade foi chave em todos estes anos. Faz uma década que começamos e poderíamos dizer inclusive que foi a criatividade a que nos impulsionou a criar o projeto, foi a origem de We Are Knitters.
A missão de We Are Knitters era trazer o tricô às novas gerações, ajudar-lhes a recuperar antigos costumes, capazes de despertar seu lado mais criativo. Sempre, desde o começo, tivemos claro que a criatividade não estava somente vinculada com a ideia que We Are Knitters representava para nós, a criatividade e o design eram as chaves do projeto, transcendia todos os âmbitos da marca.
Quando começamos, éramos muito conscientes da importância do desenvolvimento do logo e toda a identidade de marca, era nossa carta de apresentação, a maneira simples de contar o que éramos. O que não éramos, era designers e nem podíamos pagar a nenhum profissional para que se responsabilizasse pelo design. Naquele momento, fomos criativos, apostamos por uma marca muito minimalista que funcionou ao longo de uma década.
Ao mesmo tempo em que você tricota se produz sem dúvida uma desconexão prazerosa que tem até mesmo um nome, “lãterapia”, especialmente útil para combater o estresse da pandemia e que se assimila aos efeitos da yoga enquanto está ajudando a estimular a criatividade. Quando vocês criaram a empresa, eram conscientes de todos estes benefícios tão na moda em nossos dias?
Não, em nada. Há 10 anos ninguém podia antecipar o auge deste tipo de atividades. As modas e as tendências têm muito que ver com o triunfo de negócios relacionados com estas atividades, similares a We Are Knitters. Antes de começar esta aventura, provamos e nos encantou, mas nosso projeto naquele momento nascia com um fim muito diferente ao de combater o estresse. Claramente foi uma dessas sortes que tivemos, o auge do mindfulness, a yoga ou a própria ‘’lãterapia’’ foram um empurrão para seguir crescendo. Nos fascina saber que este projeto, que nascia com o objetivo de recuperar costumes e estimular a criatividade, agora também é uma via de escape e de relaxamento.
Se algo surpreende da vossa origem, é o empreendimento prematuro do qual nasceu o projeto com um investimento inicial de 13.000 euros para passar a uma equipe de 32 pessoas e um faturamento 95% no estrangeiro. Que ações foram realizadas há 10 anos para levar para a frente uma ideia tão diferente? Algo distinto ao que costumamos ver nas startups de agora?
Começamos com muito pouco financiamento, assim nosso objetivo diário era vender e vender. Isso nos marcou e acredito que nos tornou mais fortes, cada venda, cada cliente era importante. Era a única maneira de sobreviver. Hoje em dia as empresas têm mais financiamento de Venture Capital, investidores externos que apoiam o projeto e isso pode ser muito bom, porque te faz começar com uma maior segurança ou com mais possibilidades. A nós, eles impulsionaram nosso crescimento. Sem eles, haveríamos crescido, mas não tão rápido. Claro que tudo tem uma parte negativa. Contar com o apoio de investimento externo também pode significar que o seu envolvimento não seja o mesmo, pode te fazer perder o foco do que importa e do que te faz poder seguir adiante: os clientes, as vendas.
Ambos sócios de We are Knitters deixaram os trabalhos em uma multinacional para empreender em um setor muito distante ao da consultoria. Como vocês vêm a criatividade aplicada ao negócio?
Vínhamos de um mundo muito pouco criativo, mas os dois tínhamos e temos essa inquietude de sempre. Nos encanta criar coisas, somos sensíveis aos materiais, as cores, a imagem. No nosso caso, foi chave, em especial o papel de Alberto que é mais criativo que eu.
Há anos a criatividade se aplicava especialmente no âmbito da publicidade, artes gráficas ou artesanato. Nosso negócio está ligado a esse âmbito e, claro, depende e dependerá da criatividade sempre, mas isso não significa que outros negócios afastados do que conhecemos como ‘’tipicamente criativo’’ não a necessitem. O conceito evoluiu e é lógico pensar, sobretudo nestes tempos que correm, que a criatividade é um ativo mais de uma marca, presente, não somente na imagem e sua comunicação, também na maneira de gerenciar equipes ou na maneira de expandir-se e seguir crescendo.
Com uma equipe de mais de 30 pessoas, que papel joga a confiança, o trabalho em equipe e o gerenciamento de talento no crescimento da empresa?
Em uma década nosso crescimento foi exponencial, não somente em vendas, também em visibilidade e também em talento. O projeto começou sendo uma coisa de dois e hoje somos mais de 30. We Are Knitters tem uma grande presença internacional e um grande volume de negócio. Ainda somos poucos e temos plena confiança na possibilidade de seguir crescendo. Para nós a chave sempre foi a unidade, a confiança e o compromisso, especialmente nestes tempos que não nos vemos tanto.
Basicamente o que vocês conseguiram foi unir “tradição e modernidade”. Uma tradição “histórica” em um hobby moderno. Qual é a chave para ter encontrado a fórmula?
O fizemos, através de dois fatores chave, o design (não só de modelos, também de packaging, novelos, cores, web, imagem, etc) e fazendo algo não tão comum faz uma década, falando o idioma das novas gerações (redes sociais, imprensa específica, tutoriais em youtube). Na verdade, até nós mesmos aprendemos a tricotar vendo vídeos em internet. Pensamos que se nós, que não tínhamos nenhuma ideia e não tínhamos pegado em uma agulha na vida, havíamos podido aprender, por que não poderiam fazê-lo os outros? E assim foi como nos ocorreu começar com nossos kits para principiantes. Definitivamente, um design cuidado e a ajuda das novas tecnologias se somaram à essência de toda a vida: fazer sua própria prenda e assim relaxar, desenvolver a sua criatividade e sentir a satisfação de ter algo completamente seu.
A qualidade do produto é o ponto forte por excelência de We are Knitters. A este se adiciona uma estratégia de comunicação bem planejada e definida. Sabemos bem que para consegui-lo há que encontrar um ponto criativo ao que não é tão fácil ter acesso. Em vosso caso, como conseguiram?
Fomos muito consistentes desde o princípio. Nem a qualidade nem a mensagem foram alterados, o que faz mais fácil construir a história. Nos encanta a comunicação, é um dos pilares do negócio, pensamos muito em chave de comunicação, criamos inclusive produtos específicos. Quando você tem poucos recursos, a estratégia de comunicação e a criatividade podem ser chave. Você tem que brincar de se reinventar, buscar alternativas com os recursos que dispõe e apostar em soluções inovadoras. No princípio tentamos trabalhar com influencers, mas a experiência não era realmente genuína. Finalmente encontramos nossos melhores embaixadores entre nossos próprios clientes. Temos muito claro que para ter a confiança do cliente devemos estar próximo dele.
Entendemos que para que uma empresa consiga adaptar-se às mudanças constantes da sociedade, tem que manter o nível criativo. Que devem fazer as empresas para que não decaia com o tempo? Pode ser trabalhado?
Se pode trabalhar e, sobretudo, se pode contratar. Temos que seguir contratando mentes jovens, que estejam no mundo de agora, colados à realidade. Sua equipe não deve deixar de reinventar-se e, se é possível, de crescer. Se a sua marca cresce, o talento deve crescer. Você não pode continuar com a mesma equipe. Este foi o erro de grandes marcas no passado, uma equipe que foi jovem e que por não crescer, fica parada em outra época.
É verdade que a pandemia alterou a vida de muitos negócios. Para a maioria, para pior. Nós temos sorte. Este ano marcado pela crise econômica supôs, porém, um recorde de vendas para We Are Knitters.
Vocês começaram o projeto em plena crise do 2008. Quais seriam as chaves e conselhos que deveriam ter em consideração os jovens empreendedores nesta nova etapa? Tendo em conta vossa experiência é um bom momento para empreender?
Nosso negócio é contra-cíclico, vendemos quando a gente corta em cinema, restaurantes, etc. Em todas as crises há oportunidades, isso é um lugar comum banal, mas é certo, por uma mudança de vida do empreendedor ou por novos negócios que surjam. Além disso, quando começa um negócio, ao não ter histórico, tudo é crescer, então é bom momento para começar, para contratar (infelizmente nas crises há grandes talentos no desemprego), para negociar aluguéis, é um grande momento se a ideia surge. O principal é acreditar em teu projeto, dedicar todo o esforço, tempo e ilusão do mundo. Ninguém te assegura o sucesso, mas são umas boas bases para começar a consegui-lo. A criatividade, a tecnologia, ajudam. Eu sempre digo que We Are Knitters é uma das empresas mais tecnológicas da Espanha.
O sacrifício que vocês fizeram valeu a pena?
Ninguém disse que seria fácil. Foram muitos sacrifícios, mas no final valeu a pena. Sim, olho para trás e posso dizer que faria tudo de novo. A maior satisfação é ver até onde chegamos e os novos desafios que vão surgindo. É muito gratificante ver que as coisas pouco a pouco vão saindo e que haja gente que gosta do seu trabalho. Com vontade de empreender e plena confiança no projeto, demostramos que se pode vender lã por internet. Recuperamos uma atividade intergeracional com todas as coisas boas para a cabeça que isso significa. Essa é a grande missão que conseguimos em We Are Knitters.