Trump: uma duvidosa prosperidade?
O triunfo eleitoral de Trump, em 8 de novembro de 2016, despertou, contra todos os prognósticos, grandes expectativas no mundo econômico e empresarial estadunidense e foi celebrada pelas Bolsas com grandes valorizações.
Em meio a um otimismo generalizado e a um clima muito favorável às propostas econômicas do novo presidente, os investidores saudaram a “reflação” promovida por Trump como o início de uma “nova era” de prosperidade, semelhante àquela que, no início dos anos oitenta, trouxeram as políticas de Reagan. O setor bancário, em particular, foi um dos maiores beneficiários dessas altas das ações, favorecido pelas expectativas sobre as taxas de juros mais elevadas e por um maior dinamismo econômico.
Passados mais de cem dias desde que Trump tomou posse, essa euforia inicial se desvaneceu, em grande medida, ao se comprovar, uma vez mais, que uma coisa são as promessas eleitorais e outra são colocá-las em prática. No entanto, o problema das medidas econômicas que formam o núcleo central do programa de Trump não é o fato de que não serão cumpridas, mas, se atendidas, os efeitos muito negativos que estas poderiam ter para a economia, por não se adequarem ao mundo global do século XXI. Por isso, o melhor que poderia acontecer é que estas fossem se diluindo até cair no mais absoluto esquecimento.
Para ser justo, devo dizer que a linguagem “pro-business” do novo presidente americano e suas iniciativas liberais, que tendem a eliminar a asfixiante burocracia e a regulação que as empresas sofrem hoje, são muito apreciadas. Devemos desejar sorte a Trump nesse esforço, que se chocará com o muro de interesses criado por diversas agências e órgãos reguladores e por milhares de empregados, cuja única razão de ser não é a utilidade pública, mas a defesa de seus próprios interesses, paralisando a livre iniciativa com um formalismo inútil e, às vezes, beirando o ridículo.
Esta não é uma reflação “global”, e sim uma reflação exclusiva dos Estados Unidos e somente nos Estados Unidos, o que significa que é protecionista.
Mas feita essa ressalva, a realidade é que o conjunto de propostas econômicas de Trump simplesmente não vai na direção certa. O eixo das propostas é reflação fiscal, ou seja, estimular o crescimento econômico através de agressivos cortes de impostos e programas de investimento em infraestrutura. No entanto, não se trata de uma reflação “global”, mas de uma reflação estadunidense e apenas estadunidense, ou seja, protecionista.
Isso cria três problemas. O primeiro é que jogar mais gasolina em uma economia como a norte-americana, que está em pleno emprego (a taxa de desemprego é de 4,5%) e cujo nível de utilização da capacidade de produção é muito alto, pode resultar em muito mais inflação do que crescimento, tornando as taxas de juros mais altas, em maior medida, do que o esperado. Após oito anos de intervenção monetária massiva nas economias avançadas e sendo os mercados de ativos viciados no “easy money“, um aumento nas taxas para além de um certo nível causará, sem dúvida, fortes turbulências nos mercados, impactando a economia real.
O segundo problema é o dólar. O programa de Trump, se for cumprido, tem um fortíssimo impacto sobre o dólar, em um mundo que está endividado em dólares. Há oito trilhões e meio de dívidas em dólares, de não residentes nos EUA, e um forte aumento criaria problemas não apenas para a economia norte-americana, mas também para várias entidades bancárias, sobretudo as asiáticas e algumas economias emergentes, com elevados passivos em dólares.
Em terceiro lugar está o problema dos emergentes. Trump tem criado a sua reflação não apenas à margem, mas também contra os emergentes. Seu “ America first” e o seu enfrentamento com economias como a China ou o México poderiam, talvez, serem válidos nos tempos de Reagan, quando o PIB dos países emergentes era inferior a 40% do PIB mundial e o do EUA era de 25%. Mas hoje, emergentes representam mais de 60% da economia global – e continuam crescendo –, enquanto o PIB norte-americano chega a pouco mais de 16%. Há duas ou três décadas se dizia que “se a América vai bem, o mundo vai bem“, mas a realidade hoje é que, se o mundo não está indo bem, a América não pode ir bem. Essa é a economia global do século XXI.
Por tudo o que foi exposto, é muito duvidoso que Trump chegue a cumprir o seu programa, mas é ainda mais duvidoso que, se o cumprir, venha uma época de prosperidade.
Desde abril as Bolsas americanas têm moderado a euforia com a qual receberam Trump e alguns indicadores, como o futuro de petróleo ou as taxas de juros no longo prazo, não parecem antecipar um forte crescimento econômico. O chamado “Trump trade” perdeu força e, de alguma forma, há um sentimento de volta ao mundo “pré Trump”. Um mundo de crescimento econômico positivo, mas baixo (o PIB norte-americano cresceu apenas 0,7% no primeiro trimestre), no qual a inflação e as taxas de juros podem apontar alguma coisa, mas não muito.
É muito improvável que o programa de Trump seja concluído, mas é ainda mais improvável que, se concluído, esse programa traga uma fase de prosperidade.
Neste novo cenário, as bolsas europeias, que haviam sido deixadas para trás, estão se comportando melhor do que as americanas, ao perceberem um maior crescimento na zona do euro e por terem se afastado da incerteza política na França. O temor da deflação, que era o tema dominante no início do ano passado, levou a uma expectativa de crescimento àquela, até pouco tempo atrás, deprimida economia da zona euro.
Mais uma vez, como têm acontecido com frequência nos últimos anos, a economia e os mercados financeiros enfrentam o dilema de estarmos no limiar de uma etapa de forte crescimento (o famoso “ escape velocity“), como antecipam as Bolsas, ou ao contrário, têm razão os mercados de títulos e de matérias-primas ao apontar, como diria o Fundo Monetário Internacional, para um crescimento medíocre.
O tempo dirá qual dos dois pontos de vista está correto, mas se olharmos para trás, a história nos ensina que os mercados de títulos têm sido, geralmente, melhores profetizadores do que o mercado de ações.