UNO Setembro 2016

Mais atores, mais vozes: os think tanks na relação México-Cuba

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Mais de 50 anos se passaram desde a criação do Partido Comunista de Cuba (PCC), como única entidade política a projetar e implementar o projeto nacional do país. A situação econômica cubana, em um contexto global muito diferente daquela da década de 1960, tem pressionado o PCC a desenvolver um plano para “atualizar e aperfeiçoar” seu modelo econômico e social[1].

Sob a liderança de Raúl Castro, os sinais de mudança no regime se tornaram maiores, com o estabelecimento de novas disposições econômicas e políticas. Nesse sentido, foi concedido, por exemplo, pequenos empréstimos para reparos domésticos; a compra e venda de carros[2] e casas entre particulares[3] foi legalizada, e se permitiu a emissão de licenças para autônomos[4]. Além disso, destacam-se os planos de legalização das PMEs cubanas[5] e a criação de uma Lei de Investimento Estrangeiro Direto (IED), em 2014[6], e Zonas Econômicas Especiais (2013)[7] para o desenvolvimento de setores qualificados, como segmentos complementares da economia. Todas essas medidas têm suscitado certo grau de interesse entre os investidores globais.

O “renovado” diálogo binacional liderado pelo governo do México – que se ofereceu para apoiar as “transformações” que serão decididas em Cuba –, gerou interesse nos empresários mexicanos

O “aperfeiçoamento do socialismo”, como é concebido por líderes cubanos, também tem dado sinais de mudança na política externa. Uma das alterações de maior impacto foi a “renovação” da relação de Cuba com a América do Norte. Por um lado, durante a visita de Estado de Raúl Castro ao México, em novembro de 2013, a relação entre os dois países foi relançada, e o líder cubano anunciou – de maneira surpreendente – sua renúncia à Presidência, a partir de fevereiro de 2018[8]. Por outro lado, Cuba restabeleceu relações diplomáticas com os Estados Unidos, fato que permitiu, entre outras ações, a reabertura recíproca de suas embaixadas e a eliminação da nação caribenha da lista de países patrocinadores do terrorismo.

Para além de qualquer inclinação ou retórica ideológica e frente às transformações econômicas, sociais e políticas iniciadas em Cuba, os think tanks têm se mostrado como um veículo idôneo para consagrar os objetivos das políticas governamentais

09_1Internamente, foi permitida a libertação de alguns prisioneiros políticos e a proibição de todas as formas de discriminação (por exemplo, raça, preferência sexual etc.) para o recrutamento de cidadãos cubanos em empresas e/ou organizações estatais. No marco do sétimo congresso do PCC, realizado em abril do ano passado, o presidente Castro mencionou que em 2017 seriam estabelecidos limites de idade para ocupar posições de liderança no partido[9]. Por outro lado, entre as alterações no setor das telecomunicações está a autorização para que cidadãos cubanos possam adquirir telefones celulares (2008)[10] e a instalação, principalmente em praças e parques públicos, de hotspots sem fio em diversas cidades do país.

O “renovado” diálogo binacional liderado pelo governo do México – que se ofereceu para apoiar as “transformações” que serão decididas em Cuba[11] – gerou interesse nos empresários mexicanos. Há oportunidades para aumentar a cooperação política e a presença de investidores. No entanto, também se abre uma oportunidade tangível para expandir a relação bilateral em direção à esfera social, que deve emergir ab intra, onde os think tanks mexicanos possam compartilhar sua experiência na discussão de temas relevantes com seus interlocutores cubanos.

Hoje em dia, a sociedade civil organizada ao redor do mundo cumpre funções complementares ao trabalho do Estado, com o objetivo último de maximizar o alcance e o impacto das políticas públicas para benefício do desenvolvimento. A sociedade civil mexicana organizada – na forma de think tanks e outras organizações ativistas – adquiriu um protagonismo crescente no debate e na implementação de políticas, em questões como igualdade de gênero, participação cidadã, transparência e prestação de contas, empreendedorismo social e alterações climáticas (em que o país é, aliás, considerado líder regional e global).

No México, os think tanks têm impulsionado, por exemplo, uma transformação na concepção do termo igualdade de gênero, cuja agenda evoluiu de mera promoção de direitos para a exigência de elaborar e implementar políticas públicas que garantam a igualdade. Nesse contexto, as organizações civis mexicanas alertaram sobre o poder catalisador da diversidade e da equidade, tanto em níveis de inovação quanto de competitividade. A oportunidade de colaboração social México-Cuba está, no fato de Cuba ter uma legislação de grande alcance, que possibilita expandir seu campo de ação e aplicação com a participação da sociedade civil organizada.

Da mesma forma, o diálogo entre think tanks e organizações da sociedade civil de ambos os países pode ser proveitoso nas áreas de empreendedorismo social para promover a inovação, o talento e a criatividade; em relação às alterações climáticas, cujo alcance e impacto são globais; quanto ao desenvolvimento do capital humano, de forma a acompanhar as novas políticas econômicas cubanas, para citar apenas alguns exemplos de colaboração entre as sociedades.

Para além de qualquer inclinação ou retórica ideológica e frente às “transformações econômicas, sociais e políticas iniciadas em Cuba, os think tanks tem se mostrado como um veículo idôneo para consagrar os objetivos das políticas governamentais, por motivos muito claros: geram conhecimento público, fomentam as boas práticas e fortalecem a participação da cidadania nos problemas que lhes são comuns.

Além de compartilhar uma área geográfica e ter objetivos comuns ante os problemas globais atuais, México e Cuba se encontram no momento preciso para “aperfeiçoar” seu relacionamento de mais de 100 anos, desta vez incluindo o braço social indispensável para assegurar que os objetivos finais de desenvolvimento econômico e bem-estar sejam alcançados.

* As opiniões dos diretores e Associados da Comexi não refletem uma posição institucional. As declarações individuais são de responsabilidade de quem os assina.

[1]Editorial Granma. Un Debate por el Futuro de Cuba. 2016. http://bit.ly/2964Qa5

[2]Cuba Debate. Cuba autoriza compra e venda de automóveis. 2011 http://bit.ly/29gM67Z

[3] Embaixada de Cuba na Venezuela. Nova lei de compra e venda de moradias em Cuba. 2011. http://bit.ly/29ebwpC

[4] El Nuevo Herald. Cuba publica regras para novos trabalhadores independentes. 2011. http://hrld.us/294bfVv

[5] El País. Cuba anuncia que legalizará as PMEs. 2016. http://bit.ly/1TCvZlm

[6] Cuba Debate. O que dizer da nova lei de Investimento Estrangeiro em Cuba? 2014.http://bit.ly/1TCvZlm

[7] Câmara de Comércio da República de Cuba. Zona Especial de Desenvolvimento Mariel. 2013. http://bit.ly/293M813

[8] Diário de Cuba. Raúl Castro deixará o poder em 24 de fevereiro de 2018, afirmou no México. 2015. http://bit.ly/29cdMMF

[9] Castro, Raúl. Informe Central no VII Congresso do Partido Comunista de Cuba. 2016. http://bit.ly/28MVx2c

[10] Cuba Debate. Como estão os serviços de telecomunicações em Cuba? 2013. http://bit.ly/299o2Vo

[11] Presidência da República. 10 Dados sobre a relação México-Cuba. 2015. http://bit.ly/291HXSN

Israel Hernández
Subdiretor do Conselho Mexicano de Assuntos Internacionais/ México
É vice-diretor do Conselho Mexicano de Assuntos Internacionais (COMEXI), posicionado como o melhor think tank do México e entre as principais organizações de defesa do mundo. Atualmente, coordena um projeto especial para o diálogo entre as sociedades civis do México e de Cuba. Fundador da Internationalistas, revista de análise de jovens especialistas em relações internacionais. Foi membro das iniciativas globais de liderança Fórum Latino-Americano de Governança Global (Fundação Getulio Vargas e ZEIT) e Global Village for Future Leaders of Business and Industry (Lehigh University). " Foi consultor de pesquisa de mercado e de implementação de políticas públicas. É analista de mídia global.

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