Setor privado e educação: contribuições possíveis para a inovação
Quando se fala de educação de qualidade, geralmente se remete a reforçar o nível inicial, ampliar a jornada diária no primário ou resolver questões relacionadas à repetência, abandono escolar e a idade no secundário. Em vários países latino-americanos, outras questões são as faltas, a formação e a avaliação dos docentes. Também se menciona a inclusão da tecnologia, cuja incorporação se investe em aula, embora nem sempre com uma visão abrangente e de longo prazo.
Mas pouco se justificam decisões com base em evidências empíricas sobre o que funciona na sala de aula, na tentativa de desenvolver habilidades cognitivas e não-cognitivas no nível primário[1], melhorar a finalidade e a formação vocacional no secundário, aumentar a continuidade no sistema universitário e a inserção no mercado de trabalho.
Deixe-me tentar descrever, então, neste artigo alguns elementos ou ferramentas que mostram indícios de estar funcionando com sucesso em programas educacionais o que a Organização Techint realiza em diferentes países, mesmo com diferentes culturas e sistemas educacionais.
Em um ambiente ordenado são minoria os que provocam desordem. Isso cria um clima positivo, o que favorece o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos
Antes de projetar o programa Extraclase, a partir da área de Desenvolvimento Social da Organização Techint, decidiu-se analisar e observar as jornadas prolongadas e iniciativas de educação não-formal antes ou depois das aulas nos diferentes países (Argentina, Chile, México e Estados Unidos). Também foram levadas em conta práticas e elementos que têm em comum programas extracurriculares com impacto positivo[2].
O Extraclase adiciona três horas em turno contrário às aulas, quatro dias por semana, a estudantes do primário, de turno único. É de participação voluntária e visa desenvolver habilidades socioemocionais, aumentar a percentagem da frequência escolar e, no médio e longo prazo, melhorar os resultados acadêmicos.
Para exemplificar o sistema educacional do ExtraClase, podemos recorrer a um triângulo. O primeiro vértice é a pedagogia ou a forma de ensinar. O programa baseia-se na aprendizagem ativa e prática, baseada em projetos que envolvem trabalho individual e em grupo. No Extraclase, os grupos de crianças são reduzidos (até 18 por adulto) e mesclam idades com o mesmo nível cognitivo. O trabalho em grupo oferece a oportunidade de inverter papéis e nesse movimento, os alunos aprendem a ceder, negociar, comunicar e colocar-se no lugar do outro. Pretende-se que o processo aconteça em um ambiente lúdico e dinâmico, para manter o foco e a motivação dos estudantes.
O segundo vértice do triângulo são os conteúdos, que não são escolhidos ao acaso e cujo desenho é controlado. No Extraclase os campos trabalhados são a ciência, a arte, a recreação e o apoio pedagógico. Elegeu-se a abordagem de Ensino de Ciências Baseado na Indagação (ECBI[3]), com módulos desenvolvidos por especialistas internacionais. Na ECBI, parte-se do pressuposto que as crianças conhecem e são guiados para que construam noções científicas do mundo ao seu redor, aprendam a raciocinar e se mover nele. No processo, desenvolvem-se não apenas habilidades cognitivas, mas também sociais e cidadãs. Os conteúdos são organizados em módulos ou unidades que consistem em aulas sequenciadas[4] e que partem de uma grande ideia ou tema. O programa fornece os materiais associados aos módulos, garantindo a adequação e a sustentabilidade do seu desenvolvimento ao longo do tempo.
Um elemento que parece influenciar no sucesso dos programas de maneira evidente é o ambiente de aprendizagem. Neste ponto, além de ser apoiado em pesquisas da OCDE sobre os testes PISA, é possível comprovar diariamente. Em um ambiente ordenado são minoria os que provocam desordem. Em um ambiente de respeito aqueles que não consideram o próximo são poucos. Isso cria um clima positivo, o que favorece o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.
O setor privado não tem a capacidade de reformar nem melhorar o sistema educacional de um país, mas tem a capacidade de inovar e testar ferramentas que podem ser úteis para todos.
O outro vértice é a avaliação. Na Extraclase e na Escola Técnica Roberto Rocca, tanto pessoal como o próprio projeto são avaliados periodicamente. A mensuração do desempenho dos professores na escola Rocca foi projetada com base no Projeto MET (Measures of Effective Teaching), da Fundação Gates, que inclui três ferramentas principais: pesquisas com os alunos, observações de aulas e testes aplicados aos estudantes. Para monitorar os resultados em ambos os programas, são utilizadas ferramentas padronizadas, que medem o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e competências em matemática e em língua (como a base do desempenho acadêmico). Em ambos projetos são monitorados os resultados dos assistentes ao longo do tempo, e contrastados com aqueles obtidos por grupos de controle (populações semelhantes, mas que não concorrem). Com estas avaliações pretende-se verificar se os projetos estão tendo resultados propostos e se seus sistemas pedagógicos funcionam na medida do que se espera.
O setor privado não tem a capacidade de reformar nem melhorar o sistema educacional de um país, mas tem a capacidade de inovar e testar ferramentas que podem ser úteis para todos.
[1] Segundo Heckman, as habilidades não cognitivas são melhores predecessoras do sucesso na vida econômica e pessoal. Heckman James J. School, Skills and Synapses. Univ. Of Chicago, Chicago, USA. Maio de 2008.
[2] Joseph A. Durlak, et al. The Impact of After-School Programs That Promote Personal and Social Skills. University of Illinois Chicago Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL), 2007.
[3] Ensino da Ciências Baseada na Investigação, desenvolvido a partir do projeto La Main a la Pate, da Academia Francesa de Ciências, inclui várias propostas pedagógicas, tais como a aprendizagem cooperativa e a investigação guiada, de base construtivista.
[4] Com base no estudo de caso citado, os casos de AfeterSchool com impacto foram aqueles que seguiram o esquema SAFE: conteúdos Sequenciais, Ativos sobre o papel do aluno, focado no desenvolvimento de competências e explícito no que deseja alcançar.