Francisco, Obama e um histórico compromisso empresarial
O ano de 2015 foi histórico na evolução quantitativa e qualitativa da importância da responsabilidade social corporativa no desenvolvimento da atividade das empresas. A ação conjunta de dois grandes líderes mundiais – o Papa Francisco e Barak Obama, presidente dos Estados Unidos – levou a um choque real para a consciência ética das grandes corporações em assumir compromissos decisivos para a proteção do meio ambiente, na luta contra o aquecimento climático e na limitação das emissões nocivas. A proteção ambiental por parte das grandes corporações – energéticas ou não – sempre foi, desde os anos setenta, uma linha fundamental para mensurar o compromisso da empresa com seu entorno. Mas, até ser realizada a Cúpula de Paris (entre 30 novembro e 11 dezembro de 2015) sobre as alterações climáticas, esse compromisso não havia se concretizado e universalizado. A Cúpula de Kyoto de 1997 foi um primeiro passo – muito reticente –, mas a convenção realizada na capital francesa calou de maneira irreversível a consciência universal da humanidade.
O Papa rejeita o negacionismo e aposta em sua singular encíclica pela ecologia integral, fazendo uma chamada urgente aos políticos e às empresas
Em maio de 2015, produziu-se um feito inédito: uma encíclica papal inteiramente dedicada à ecologia (Laudatio Si’), onde Francisco, o pontífice mais pastoral dos últimos cinquenta anos, abraçou a tese da “ecologia integral” e estabeleceu a reprovação moral de entidades –políticas e empresariais – e de indivíduos que desrespeitam o meio ambiente do planeta. O Papa rejeita o negacionismo das teses que supõem que há catastrofismo na avaliação dos danos ambientais a que a humanidade está sujeita, aposta no compromisso das energias renováveis, e recorre à impressão de que “a Terra, nosso lar, parece transformar-se, cada vez mais, em um depósito de porcarias”. E faz uma forte acusação: “A política e os negócios reagem lentamente, longe de estar à altura dos desafios globais”.
As grandes corporações sentiram-se diretamente afetadas pela encíclica de Francisco –estrategicamente publicada seis meses antes da Cúpula de Paris –, mas longe de se recusarem a assumir os compromissos – e a crítica – do Papa, ajustaram seus mecanismos de responsabilidade social ao novo cenário de exigências expressas com veemência e sem reserva mental por uma referência moral do mundo, como é o Papa de Roma.
O presidente dos Estados Unidos – quando outras questões pareciam obscurecer seu interesse pela mudança climática – reforçou sua prioridade e em outubro 2015 obteve um grande sucesso político e conduziu, a tempo, um grande sucesso empresarial. A um mês da Cúpula de Paris, Obama reuniu na Casa Branca oitenta e uma grandes empresas multinacionais, anunciando que estas “comprometeram-se a estabelecer medidas concretas para deter a mudança climática e reduzir as emissões que a provocam”. Entre as medidas que essas empresas assumiram estavam o compromisso da transparência, a redução das emissões de carbono e cortes no consumo de água.
A Cúpula de Paris, pela qual tanto trabalhou o presidente Obama, foi uma vitrine histórica para a responsabilidade social corporativa das maiores empresas do planeta
Obama dirigiu-se a empresas ativas neste pacto de responsabilidade social em termos muito corretos: “Historicamente, quando se falava de mudança climática, a percepção que se tinha era de que se tratava de uma questão ambiental, para amantes das árvores, e que os empresários ou não se importavam ou viam como um tema que entrava em conflito com seus interesses (…) Hoje, no entanto, estão aqui representados alguns dos mais extraordinários negócios do planeta, bem como seus fornecedores”.
Quando o presidente dos Estados Unidos americano proferiu essas palavras, já havia alcançado um outro acordo substancial, no mês de julho: uma dezena de companhias (Apple, General Motors e Goldman Sachs) assinaram, antecipadamente, um compromisso na linha do que Obama pedia. É verdade, porém, que tanto em julho quanto em outubro de 2015, estiveram ausentes empresas decisivas para investir nas medidas para conter as alterações climáticas: ExxonMobil e Chevron, entre outros. A intenção da Casa Branca – expressa pelo conselheiro de Obama para o tema das mudanças climáticas, Brian Deese – consiste em continuar na linha de trazer mais empresas para um compromisso que possa ser considerado planetário.
A série de medidas que compõem a responsabilidade social de uma empresa é ampla e dispõe de muitas expressões solidárias, de retorno benéfico para a sociedade, criando um círculo virtuoso nas comunidades nas quais desenvolvem suas atividades. Mas, certamente, cada período histórico tem seus próprios mandatos de responsabilidade corporativa. O atual passa, sem dúvida alguma, por deter a precariedade do meio ambiente do mundo, mediante o controle das excrescências do consumo energético, que é o fluido linfático de qualquer atividade industrial. O desafortunado caso do truque de um software em veículos movidos a diesel da multinacional alemã Volkswagen, que afetou 11 milhões de seus veículos em todo o mundo, provocou a indignação, não apenas pelo engano, mas por suas consequências que, sem afetar a segurança dos automóveis, prejudicaram o meio ambiente ao permitir que estes veículos emitissem nada menos que dois milhões de toneladas de gases poluentes. Os carros da VW emitiam 40% mais destes gases de efeito estufa (NOx) do que a empresa certificava a seus compradores.
Parece uma regra essencial que as empresas, especialmente as industriais, apostem nas ações de responsabilidade corporativa pela “ecologia integral”, porque o futuro contempla um “renascimento” industrial na Europa – é a grande demanda do novo modelo produtivo em muitos países do Velho Continente –; e na América Latina e na Ásia, as potências emergentes vivem dinâmicas de desenvolvimento muito rápidas que envolvem consumos energéticos – ainda em sua maioria fósseis e de origem nuclear, com seus consequentes resíduos –, que levam a um diagnóstico constante de aquecimento global em virtude das emissões. Além disso, a concepção global do ecológico – como o Papa Francisco observou em sua encíclica de maio 2015 – alcança a preservação das condições de higiene nas cidades, o consumo responsável da água e a conservação das comunidades indígenas em territórios muito férteis para a indústria extrativa e de matérias-primas.
Esta última consideração remete a novos sistemas de captação de gases energéticos e técnicas de extração que estejam envoltas em polêmicas, como as vantagens e inconvenientes do fracking, que é amplamente utilizado nos Estados Unidos, e na qual aposta a poderosíssima China. O efeito sobre a agricultura e a pecuária e a possível contaminação dos aquíferos seriam riscos que estas novas técnicas deveriam continuar ponderando e resolvendo, à medida que os procedimentos extrativos se sofisticam, de tal modo que seja possível conciliar a eficiência com a proteção dos valores ambientais, considerados linhas vermelhas onde a atividade empresarial não pode nem deve ultrapassar.
O atual contexto histórico exige que as grandes empresas industriais assumam o compromisso de deter a progressão das mudanças climáticas, que se converteram em um imperativo ético coletivo
A Cúpula de Paris sobre a mudança climática foi a grande vitrine da nova realidade empresarial e a consideração de sua prioridade, um imperativo ético das grandes empresas. Milton Friedman qualificou a responsabilidade social corporativa como “uma doutrina subversiva em uma sociedade livre”. A definição já não é válida: o subversivo consiste, precisamente, em não comprometer-se, de forma ética, com o meio ambiente, enquanto se produz nele uma atividade de caráter industrial. O Observatório Espanhol da RSC é uma referência para, no caso da Espanha, avaliar a positiva evolução das empresas do país em seus compromissos de sustentabilidade, com a condição de que, pelo menos para o momento, é necessário que ao voluntarismo dos gestores se some uma legislação exigente e fortes compromissos setoriais no contexto de outro global, constituindo as diretrizes de um convencimento universal, para que as palavras de Francisco, em sua encíclica, se tornem realidade: “Enquanto a humanidade do período pós-industrial for lembrada como uma das mais irresponsáveis na história, é de se esperar que a humanidade do início do século XXI possa ser lembrada por haver assumido, com generosidade, suas graves responsabilidades”.