Reputação, Ética e Exercício Profissional
Hoje a competição manda. As empresas competem por seus clientes a partir do espaço que estes ocupam em um determinado mercado. E para isso, ponderam, uma ou outra vez, o produto ou serviço que pretendem oferecer para, em seguida, por meio da publicidade, distinguir e promover suas virtudes e omitir seus defeitos.
Neste cenário, os advogados tentam participar do mercado assumindo a histórica e tradicional dignidade de uma profissão que lida com a justiça. A matéria-prima com a qual se trabalha é uma das virtudes cardeais e supõe, em primeiro lugar, o respeito à forma no modo de atuar, e em segundo, mas ainda mais importante, que o exercício da profissão se ajuste de maneira estrita à deontologia que lhe é própria.
Tendo em vista os limites (necessários) que a profissão impõe, devemos nos perguntar sobre qual é a forma legítima em que os advogados podem competir em um mercado cuja espessura ética diminui a conveniência. Esta questão não é nova: a Ordem dos Advogados do Chile reconheceu esta preocupação e se colocou a cargo dela: até 2011, o artigo 13 do Código de Ética (“CE”) se valia de uma fórmula antiquada em matéria de publicidade; os advogados deviam, em resumo, limitar sua publicidade à entrega de um “cartão”. A realidade econômica obrigou a reformulação deste modelo: em 2011, formulou-se um novo código de ética, que substituiu o arcaico artigo 13, por um que concentra sua regulação na Proibição da Solicitação.
Devemos nos perguntar sobre qual é a forma legítima em que os advogados podem competir em um mercado cuja espessura ética diminui a conveniência
Agora, o que é a solicitação e como esta se refere à concorrência entre os advogados? De acordo com o artigo 13 do novo CE é “toda comunicação de um advogado relativa a um ou mais assuntos específicas, dirigidos a um destinatário específico, seja diretamente ou através de terceiros, e cujo significado seja a contratação de seus serviços profissionais”. A solicitação é expressamente proibida pela CE. E esta proibição reconhece limites cujo objetivo exclusivo é o de permitir a formação de clientela. No entanto, a norma é prolixa e restritiva em seu conteúdo, pois só exclui da proibição aqueles atos destinados a pessoas com as quais o advogado tenha parentesco ou amizade; aquela dirigida a um cliente ou ex-cliente; a outro advogado ou escritório; a um órgão de Estado ou aquelas realizadas como prestação pro bono. Fora de tais hipóteses, e se levamos ao extremo a aplicação da norma, qualquer outra conduta encontra-se eticamente proibida e, por conseguinte, é passível de sanção.
É evidente que o mercado jurídico difere radicalmente daquele dos anos quarenta – época em que entrou em vigor a primeira CE. Atualmente, 3.500 novos advogados surgem anualmente, a partir das várias escolas de direito do país. Esta cifra dá conta da ampliação da oferta na carreira de direito e da crescente demanda cidadã por assessoria jurídica. Se há mais advogados, estes deveriam competir para obter a preferência dos potenciais clientes. Mas esta competição não libera de uma tarefa básica: equilibrar duas forças em tensão, ou seja, por um lado, participar do mercado, e, por outro, preservar a dignidade da profissão.
O advogado desenvolve uma atividade de relevância social e, como em muitas outras profissões, o seu exercício gera uma assimetria no tratamento das informações, porque o cliente em grande parte desconhece o conteúdo do serviço prestado. Na advocacia, esta dita assimetria se torna especialmente sensível, uma vez que os seus serviços são bens de confiança[1], o que não permite uma pré-avaliação da prestação do mesmo. Dificilmente um cliente poderá ponderar, com precisão, as implicações que tem um serviço jurídico, o trabalho, as habilidades que isto requer e, consequentemente, seu custo. Portanto, o advogado deve agir em estrita conformidade com a ética e com o mandato deontológico que rege a sua disciplina; caso contrário, um abuso de poder baseado na assimetria da informação é gerado, o que viola a dignidade da profissão.
Então a questão é como harmonizar ambas pretensões: a partir da perspectiva do mercado e da experiência comparada é possível observar que se fazem cada vez mais toleráveis políticas mais agressivas de captação de clientes, aquelas que com o tempo são compensadas com maiores controles do exercício da mesma profissão, em detrimento daquelas que pretendem controlar a formação de carteiras de clientes. Por outro lado, tem se evidenciado uma crescente difusão de rankings e escritórios de advocacia, o que têm servido para o mercado reavaliar seus atuais assessores jurídicos, bem como para conhecer outros escritórios em processo de crescimento ou consolidação.
Ainda resta uma ampla margem de atuação na qual advogados e outros profissionais do direito podem enfrentar zonas éticas cinzentas
Em suma, é evidente que o atual texto do CE faz uma tentativa séria de resguardar a ética da profissão, evitando ofertas sem escrúpulos ou asfixiantes. No entanto, ainda resta uma ampla margem de atuação na qual advogados e outros profissionais do direito podem enfrentar zonas éticas cinzentas. Estas áreas são aquelas nas quais os advogados devem competir e tomar uma decisão quanto às condições em que isso será feito. Nossa posição, em primeiro lugar, consiste em postular que a concorrência, no seu sentido mais lato, deve ser tolerada e permitida, mas sempre sujeita a um controle a posteriori; em segundo lugar, que serão os próprios advogados que, com vista à dignidade da própria profissão, deverão dotar de conteúdo as limitações impostas à possibilidade de competir e promover-se. Tal como demonstra o teor do novo artigo 13 do CE, é impossível petrificar um conceito em uma norma positiva que expresse taxativamente todos os casos em que se pode competir e como. A regra aplica-se apenas sob a forma de recomendação ou de proibição expressa para casos pontuais especialmente relevantes. Em tudo o mais, será o próprio advogado quem deverá decidir.
[1] DE LA MAZA GAZMURI, Iñigo. A tradicional dignidade da profissão: advogado e publicidade no Chile. In Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE), Annual Papers, p. 10.