A gestão da comunicação corporativa nos litígios
Quando uma empresa se vê afetada por um problema judicial de qualquer natureza tem de enfrentar um incômodo transe que, para além de seus efeitos jurídicos materiais, podem influenciar a imagem e a reputação da companhia, de acordo com maior ou menor grau de transcendência que os fatos venham a ter nos meios de comunicação e ante à opinião pública, inclusive independe dos resultados, favoráveis ou desfavoráveis, do litígio.
Em geral, a informação pública sobre questões judiciais prolifera hoje mais do que em outras épocas, transbordando a clássica seção destinada a “tribunais” dos jornais clássicos, chegando mesmo a ocupar as primeiras páginas, nos casos mais marcantes. Quando afeta as empresas, a transcendência midiática destes incidentes judiciais surpreende, por vezes, as próprias companhias, cujos responsáveis expressam sua estranheza a portas fechadas, pelo fato de que tais informações despertem o interesse da mídia. Convém não perder muito tempo neste debate interno. Por mais desproporcional que possa parecer o tratamento informativo de um assunto, são os próprios meios e não as empresas os que decidem o que pode ou não ser notícia. É inegável que os problemas judiciais das empresas – em particular, das grande companhias – despertem uma lógica atenção dos meios –particularmente dos meios de comunicação mais especializados em economia –, que, inevitavelmente, dão eco a esta informação. Estas são as regras e, como tal, temos de assumi-las. Por mais acertada que tenha sido a política de comunicação em circunstâncias anteriores de normalidade, as probabilidades de um conflito judicial que afeta uma empresa alcançar notoriedade midiática são elevadas e isto significa, quase sempre, uma “má notícia” para a empresa.
A estratégia básica do processo será determinada pelo ritmo e exigências do processo judicial e, portanto, as ações de comunicação devem estar subordinadas a este interesse processual
Nestes casos, utilizando uma expressão empregada por José Antonio Llorente, no livro O Oitavo Sentido, resulta inútil tentar “converter um incêndio em um show de fogos de artifício” e tentar transformar esta má notícia em uma notícia positiva e mais ainda, tentar ignorá-la; sempre será melhor dedicar-se, diligentemente, à tarefa e tentar extinguir, o mais rapidamente possível, o incêndio causado para, ao menos, minimizar seus efeitos potenciais sobre a reputação da companhia. Então será necessário organizar e dispor de equipes especializadas e dedicadas à resolução do problema, de modo que sua gestão e resolução interfira o mínimo possível no curso normal dos negócios. Como é óbvio, é essencial contar com bons advogados, capazes de lidar juridicamente com o litígio com êxito e sucesso; mas também será necessário envolver especialistas com expertise em comunicação nesta tarefa, de modo que estes possam definir a estratégia a ser desenvolvida, segundo as circunstâncias do caso. Em última análise, trata-se de lidar, paralela e simultaneamente – e de forma consistente e coerente – tanto o processo judicial quanto o julgamento da mídia. Será normal um certo grau de tensão entre as necessidades de discrição ou silêncio sobre os processos judiciais geridos pelos advogados e a conveniência de informar, que muitas vezes é proposto pelos responsáveis pela comunicação. Sem dúvida, a estratégia básica do processo será determinada pelo ritmo e exigências do processo judicial e, portanto, as ações de comunicação devem estar subordinadas a este interesse processual; mas sem esquecer que qualquer que seja a estratégia de comunicação que decida ser implementada – ativa ou reativa –, uma comunicação transparente, rigorosa e fundamentada na empresa é uma condição mínima para o sucesso: se os argumentos utilizados por um advogado no julgamento são realmente legítimos e convincentes diante de um juiz, estes devem ser transmitidos e deveriam ser percebidos como tal pela opinião pública.
Por um lado, porque, mesmo supondo a independência do poder judicial, não há como negar que a informação influencia, de uma forma ou de outra, no contexto e no desenvolvimento do processo judicial e, que portanto, a gestão da comunicação pode contribuir para o bom fim do litígio. Uma percepção pública negativa no julgamento midiático pode influenciar no processo judicial; talvez não tanto nos seus resultados jurídicos quanto nas consequências destes sobre a imagem e a reputação da empresa, mesmo que esta alcance uma decisão judicial favorável. Não é de se estranhar por isso que, às vezes, em certas ocasiões, aquela parte que se sente menos segura da solidez de suas reivindicações legais intensifique seus esforços de comunicação para influenciar a opinião pública e tentar obter através deste, ou através de um desfecho judicial, – ou talvez extrajudicial –mais benéfico.
Além disso porque, atualmente, temos que partir da premissa de que tudo o que acontece em um processo judicial pode chegar a ser conhecido. Assegurar a divulgação dos processos judiciais é um traço distintivo da atuação de uma justiça democrática em um Estado de Direito, que torna visível e fiscalizável o poder; e, neste contexto, o acesso da imprensa às informações não representa qualquer privilégio injustificado, mas um direito reconhecido em virtude da função social que esta cumpre. É certo que a divulgação do processo judicial não é absoluta, pois conta com restrições tão excepcionais quanto legítimas; no entanto, seria ingênuo ignorar que, nos dias de hoje, mesmo essas restrições são oprimidos pela dinâmica da informação pública e não é incomum, por exemplo, que as partes do processo de mudança cheguem aos meios de comunicação pelos próprios interesses contidos aos que tiveram acesso a essa condição e que isso resulte favorável, ou mesmo que, quebrando-se o segredo judicial, por sorte a imprensa tenham acesso aos dados ou documentos confidenciais contidos no processo, mesmo antes das próprias partes.
Não há como negar que a informação influencia no contexto e no desenvolvimento do processo judicial e que, portanto, a gestão da comunicação pode contribuir para o bom fim do litígio
E, finalmente, entre outras razões, porque a estrutura do processo judicial, sua tramitação, seu conteúdo, sua linguagem própria… resultam complexas para a opinião pública em geral; e, portanto, o risco de descontextualização – casual ou interessada – ou por uma incorreta interpretação só pode ser neutralizada mediante um esforço de comunicação verdadeiro e, por vezes, com franca vocação didática. Não é necessário mencionar a este respeito as discussões semânticas sobre o significado da condição de “imputado” em um processo penal ou se esta condição implica uma maior garantia processual ou defeito preliminar de culpabilidade. É também muitas vezes frequentes ler ou ouvir no noticiário, notícias de um processo judicial sobre fatos apresentados como definitivos e que, no entanto, simplesmente correspondem a relatórios ou posições de qualquer uma das partes ou de peritos a quem os processos judiciais conferem um alcance meramente temporário. Estes desvios informativos apenas podem ser combatidos a partir de uma melhor comunicação e transparência da empresa, que deve contar com um porta-voz que não apenas atue como um ponto de referência para os meios, mas que, a partir da sua formação e experiência, colabore com estes na adequada contextualização e interpretação do desenvolvimento e resultados do processo, a partir do ponto de vista dos interesses da própria empresa.