Bem-estar: debate sem prejuízos
Devemos muito ao Estado de bem-estar. O sucesso da Europa no segundo período pós-guerra tem muito a ver com o Welfare britânico, com a economia “social” alemã e com os “trinta gloriosos” da França. Embora os socialistas sempre apropriem-se do modelo, estamos diante de um fenômeno transversal do ponto de vista ideológico. É claro que devemos lembrar de Lord Beveridge, de Hermann Heller e da “procura existencial” (Daseinvorsorge) e das sociodemocracias nórdicas, tendo a Suécia como referência clássica. Mas convém ter claro que a origem dos “seguros sociais”, pois em data muito anterior, aparecem em políticos conservadores como Benjamin Disraeli ou em nosso Eduardo Dato. Na euforia do bem-estar, embora já questionado pela crise do petróleo de 1973, nossa Constituição proclama solenemente no artigo 1.1 que “a Espanha se constitui em um Estado social e democrático de direito”, replicando assim, o substancial na Lei Fundamental de Bonn. Juristas, sociólogos, cientistas políticos e economistas têm dedicado muitas páginas para decifrar as causas e consequências deste conceito cujos fundamentos teóricos definiu, melhor do que ninguém, Manuel Garcia-Pelayo. Tudo mais ou menos em ordem, até que chega a crise atual…
Se formos objetivos, repito, temos de reconhecer os seus méritos para o sistema de bem-estar. Se seus defensores ao extremo removem a venda ideológica, também devem admitir seus pontos fracos. O estado social custa muito caro, a tal ponto que, muitos anos atrás, James O’Connor citou a “crise fiscal” do Estado. Ele exige aumentos de impostos e gera uma burocracia por vezes ineficiente para sua própria gestão. Do ponto de vista ético, dilui a responsabilidade pessoal, diante da falta de incentivos. Favorece a existência do free-rider, essa espécie de “aproveitador” universal, que só procura benefícios particulares e nunca coopera. Na Teoria Política, outro pensador nada suspeito, Niklas Luhmann afirma que o Estado social é a vítima das expectativas exageradas que suscita. Portanto, há vantagens, mas também inconvenientes. Reagan/Thatcher, sob o manto ideológico de Hayek, impulsionaram, em seus dias, uma “revolução”/”reação” neoliberal. Os Keynesianos de todos os partidos têm reagido fortemente. Em plena crise financeira, o debate é desencadeado por alguns dados relevantes e com excessivos prejuízos partidários. Por isso, convém colocar as coisas no lugar, na base do sentido comum.
Niklas Luhmann afirma que o Estado social é a vítima das expectativas exageradas que suscita
Socialistas e liberais exageram em seus pontos de vista. A partir da esquerda (em amplo sentido), as culpas são transferidas para o capitalista insaciável e ao político submisso. A avidez dos mercados e a economia monetarista nos levam, aparentemente, à ruptura do pacto social derivado da maldade intrínseca do adversário. Tudo se torna diatribe contra o capitalismo “selvagem” e os neocons “libertários”. A direita tampouco se mostra particularmente lúcida nesta renovada batalha das ideias. Defende a gestão eficaz diante do supérfluo socialista e produz especialistas e tecnocratas. Logo sente falta do predomínio “progressista” nesta frente que afeta os comportamentos sociais (incluindo, é claro, os eleitores).
Tudo isso contém um pouco de verdade e esconde, no entanto, uma outra parte muito significativa. O sistema de segurança social resulta insustentável quando perdemos o senso de proporção. Despesas improdutivas, tributação insuportável e mentalidade alienada pela exigências de direitos sem a contrapartida dos deveres formam um triângulo perverso, que os observadores objetivos percebem claramente. Também convém ser realista antes de prever novas crises com uma abordagem determinista que a história desmente, vez ou outra. Em outras palavras: gostem ou não, a falência do Lehman Brothers não significa a morte do capitalismo, um sistema econômico perfeitamente capaz de superar suas próprias contradições. Vamos às provas.
As classes médias emergentes exigem um novo estilo de democracia. É inegável que existem essas novas classes médias, mas também que as que sempre estão aí, com seus líderes naturais. Isso é demonstrado pelo sucesso reiterado de Angela Merkel. Portanto, onde a economia funciona, o velho contrato social permanece vivo e operante. No entanto, em muitos lugares já não funciona. Por isso, de acordo com quase todos os indicadores, a desigualdade aumenta. Abusando do prefixo, fala-se de sociedade post bem-estar, mais cuidadosa no consumo e menos ambiciosa em seus projetos vitais. Os tempos de crédito fácil e de consumo ostentação acabaram. A manutenção do status é um objetivo mais que suficiente.
Onde a economia funciona, o velho contrato social permanece vivo e operante
Na Espanha, é claro, a força da família, a saída de jovens qualificados e dinamismo de certos setores econômicos são fatores que influenciam na hora de enfrentar a crise com os menores danos psicológicos possíveis. Aqui pode ser menos traumático assumir o eufemismo de uma “sociedade participativa”, no sentido de que o Estado já não pode mais cumprir o seu compromisso social e as pessoas terão que contribuir mais. Por isso, não serve de grande coisa exigir o planejamento formulado pelas Constituições (Estado social, direitos a prestações públicas, elevados padrões de qualidade de vida) ou nos tratados comunitários ou em outros documentos com maior ou menor valor normativo, adotadas em tempos de bonança. Bons desejos (que todos nós compartilhamos) não equivalem a boas soluções. Muito pelo contrário, porque a política bem-intencionada leva a resultados incertos. No entanto, o grande argumento da esquerda atribui a certas elites extrativistas a quebra voluntária do “pacto”, onde as desigualdades inaceitáveis seguem entre poucos (upper class) e os muitos, sejam diretamente excluídos ou reduzidos à condição de mão de obra barata. Digamos, para simplificar, que a elite está cada vez mais rica e a massa, cada vez mais empobrecida. Fica claro, de acordo com a análise usual, que esta nova classe dominante apenas integra os proprietários e os gestores do grande capitalismo global e que desloca as antigas classes “acomodadas”; leia-se, profissionais razoavelmente bem sucedidos, altos funcionários ou empresários médios.
Está aqui o centro da questão. Mas o importante é que a austeridade não é um capricho, mas uma necessidade objetiva, embora seja essencial aplicar os “cortes” aos gastos improdutivos e não esquecer que as classes médias são a base de uma boa democracia. Se os principais partidos de centro-esquerda e centro-direita não conseguem levantar propostas atraentes, abre-se o caminho para o populismo, fórmula contemporânea para a demagogia. Pura e simplesmente, o pior caminho possível.