A América Latina diante da encruzilhada
Em matéria econômica e social, a história recente da América Latina é encorajadora. A reativação do crescimento, a recuperação da estabilidade macroeconômica, os êxitos na luta contra a pobreza e o desenvolvimento mais igualitário e justo têm sido significativos.
Um contexto internacional favorável, dado os elevados preços das matérias-primas e dos alimentos, combinado com uma melhor institucionalidade macroeconômica e uma política social ativa, permitiram avanços significativos na melhoria das condições de vida da população, reduzindo à metade a taxa de incidência da pobreza, ampliando as oportunidades de emprego decente e uma maior incorporação das mulheres no mercado de trabalho.
O desempenho econômico e social da América Latina desde os anos 2000 são a prova de que é possível aspirar, de maneira simultânea, a um maior crescimento econômico e a uma maior equidade, e que estes não são objetivos inconciliáveis, desde que exista vontade política e a liderança necessária.
No entanto, nos últimos tempos, a economia internacional e, especialmente, a demanda por matérias-primas e alimentos da Ásia perdeu o dinamismo, o que, junto com a queda nos preços do petróleo, impactou negativamente muitas das economias da região, especialmente as da América do Sul. Isso aponta para um panorama muito mais complexo para os próximos anos, que deverá considerar quais são os novos motores de um crescimento mais dinâmico, ao mesmo tempo em que deverá compatibilizar este crescimento mais lento com as muitas e altas expectativas e demandas da população, quanto a emprego e qualidade dos serviços, evitando a reversão dos ganhos obtidos na década anterior, quanto aos indicadores de pobreza e desigualdade. Na verdade, desde 2012, já se observava um aumento no número de pessoas abaixo da linha de pobreza e uma estagnação na redução dos índices de desigualdade, o que deve nos preocupar de maneira especial.
O desempenho econômico e social da América Latina desde os anos 2000 são a prova de que é possível aspirar, de maneira simultânea, um maior crescimento econômico e a uma maior equidade
Voltemos, por um momento, aos ganhos obtidos nestes anos:
Nos últimos anos, as políticas de desenvolvimento social, especialmente aquelas que visavam quebrar a transmissão intergeracional da pobreza, ganhou importância.
Entre 2000 e 2012, o investimento per capita nesta área cresceu quase 7% ao ano. Se o medimos em relação ao PIB, o gasto social destinado à saúde, educação, segurança e bem-estar social ou habitação, saltou de 14,5% para 18,4%. Na educação básica, a taxa de matrícula no ensino primário atingiu 94% em 2014, enquanto as taxas no secundário aumentaram de 60,5% para 73%, ao longo de 2000 e 2014.
A educação superior teve uma expansão fenomenal, refletida no fato de que 70% dos jovens universitários são a primeira geração de sua família a chegar a este nível de educação.
Estes são apenas alguns números que estão por trás da mudança no mapa social em nossa região, com 60 milhões a menos de pobres e 82 milhões de latino-americanos que passaram a fazer parte das classes médias. Em países como a Argentina, El Salvador, México, Nicarágua e República Dominicana, esta redistribuição foi responsável por mais da metade do declínio da pobreza.
No entanto, apesar dos esforços realizados, entre 25% e 28% da população permanece em condições de pobreza e, embora este percentual esteja bem abaixo dos 40% registrados na década de 90, continua sendo excessivamente elevado para o nível de renda da região. Da mesma forma, ainda que 37% da população tenha saído da margem de pobreza, permanece em condições de vulnerabilidade muito altas, por isso não podemos dizer que pertencem à classe média. A maioria deles não têm qualquer proteção social e enfrentam o constante risco de voltar a cair na pobreza.
Não há dúvida de que este momento de deterioração das condições externas e de desaceleração econômica encontra-nos com melhores fortalezas para enfrenta-los que no passado, mas também é verdade que nos “apanhou” com a tarefa inacabada, tanto no âmbito social quanto no produtivo.
A produtividade das economias latino-americanas ficou atrasada diante de países asiáticos, bem como o investimento em ciência e tecnologia e infraestrutura. A articulação das pequenas e médias empresas nas cadeias de valor e nos esforços de exportação exigem uma nova geração de políticas produtivas que estejam comprometidas com o empreendimento, com o talento e com a inovação, e que adicionem mais valor a tudo o que é produzido, seja no setor primário, de serviços ou no setor industrial. Só então poderemos entrar com passo firme na economia do conhecimento. Para isso, a qualidade da educação é fundamental, não só para a economia, mas para combater a inequidade e prevenir a transmissão intergeracional da desigualdade.
Não devemos esquecer que a América Latina continua sendo uma das regiões mais desiguais do mundo. E estas desigualdades não estão apenas na distribuição de renda, mas também entre os grupos que sofrem discriminação ou marginalização, como fica expresso na diferença entre gêneros, no percentual entre população rural e urbana e para a população afrodescendente e indígena.
Assim, será determinante a direção escolhida na encruzilhada em que estamos hoje.
A qualidade da educação é fundamental, não só para a economia, mas para combater a inequidade e prevenir a transmissão intergeracional da desigualdade
A partir da Secretaria Geral Ibero-Americana focamos nosso trabalho em construir sobre o que foi alcançado após dez anos de intensa cooperação ibero-americana e desenvolver a herança recebida dos países; impulsionar a cultura, a inovação, a educação e a coesão social como a espinha dorsal do ibero-americano e trabalhar naquilo que nos une, não naquelas que nos divide, fazendo uma aposta definitiva nos jovens, sua formação, mobilidade, maior capacitação e na cultura comum – um verdadeiro ativo e valor do ibero-americano e fator fundamental de um desenvolvimento humano mais inclusivo e sustentável.
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