Ibero-América, uma comunidade baseada na cultura
Uma Aliança se baseia na identificação de interesses comuns a se proteger; uma comunidade é algo distinto, uma comunidade se fundamenta na identificação compartilhada por todos os membros, a partir dos quais são construídos projetos comuns.
Muitas vezes têm sido manifestado que a América Latina é uma das regiões mais homogêneas do mundo, um território contínuo que conta uma história e uma cultura que tem compartilhado, por mais de 500 anos (que se fundiu com outros elementos originários de cada uma das suas sub regiões), com estreitos laços de sangue que remetem a todo continente, com duas línguas comuns, muito próximas uma da outra e com sistemas políticos e econômicos semelhantes. Esta América Latina é uma comunidade que compartilha essas mesmas características que a definem (língua, cultura, história, laços de sangue, democracia e mercado) com a Península Ibérica, de forma que, juntas, formam essa Comunidade e constituem a Comunidade Ibero-americana. Suas manifestações são incontáveis. Nossas empresas, universidades, associações profissionais, jornalistas, etc., tem formado uma rede feita de cooperação e interesse que constituem a estrutura da Comunidade Ibero-Americana. E nossos cidadãos, com uma rede de parentes de uma intensidade raramente encontrada em outras partes do mundo, com um emaranhado de relações sociais e familiares de uma intensidade que raramente se encontra em outras zonas do mundo, compõem esse substrato real que constitui a base de um espaço ibero-americano.
“O espanhol, com mais de 450 milhões de falantes nativos, é um elemento primordial para a coesão cultural, social e econômica da Ibero-América e é um elemento geoestratégico de primeira ordem.
O funcionamento desta comunidade é relativamente autônomo, só necessita de um clima favorável que permita e fomente a ampliação dessa rede de afetos e interesses que a constituem. Aí é onde a política geralmente entra e, dentro da política, a Conferência Ibero-americana e sua máxima expressão, as Cúpulas. Com efeito, as Cúpulas são uma representação do máximo nível político desta Comunidade viva. As instituições ibero-americanas, começando pelas próprias Cúpulas e terminando na SEGIB e pelas diversas organizações ibero-americanas, estão a serviço da Comunidade, para não descontinuar seu movimento, para fomentar os contatos, a cooperação e a integração das 22 sociedades que a integram, dos 650 milhões que a habitam.
Sem dúvida, o fio condutor desta Comunidade é a cultura. Como dizia Carlos Fuentes, a cultura é a infraestrutura do ibero-americano. Aí há provavelmente um trabalho a fazer, que é o de explicar o que é o ibero-americano, uma tarefa que se impôs a SEGIB, como parte de seu processo de renovação. Dentro dele, temos que projetar uma presença ibero-americana nos EUA, país que tem 55 milhões de latino-americanos. O status da língua espanhola lá (EUA será, de fato, um país bilíngue nos próximos anos), também dependerá das iniciativas que colocarão em prática os países de língua espanhola, a partir das políticas nacionais e das nossas instituições ibero-americanas. A Conferência Ibero-Americana proporciona o marco e o instrumento necessário para tomar iniciativas neste campo.
O espanhol, com mais de 450 milhões de falantes nativos (apenas atrás dos chineses) e língua oficial em 21 países, 19 deles (mais Porto Rico) com continuidade territorial, tem um nível de comunicabilidade altíssimo, convertendo-o em um elemento primordial para a coesão cultural, social e econômico da Ibero-América e em um elemento geoestratégico de primeira ordem. Dentro do atual processo de globalização, que está mudando o centro do mundo do Atlântico para o Pacífico e nos conduz a um protagonismo crescente da Ásia e, em particular, da China entre os destinos do planeta, a ideia de construir um espaço econômico e político conjunto entre a Europa e a América tem um evidente apelo. E a Comunidade Ibero-americana, com um pé em cada lado do Atlântico, poderia contribuir positivamente para a construção desse espaço. A abertura da negociação entre os Estados Unidos e a União Europeia de um tratado de livre comércio, abre campo para considerar essa hipótese. Se estas negociações chegam a um bom porto e a tempo, renovamos esforços para dar um impulso final às negociações da UE com o Mercosul, e o resultado seria um espaço euro-americano, baseado em uma rede de acordos políticos, comerciais e de desenvolvimento que permitiriam falar, sem muita licença, de um bloco ocidental no mundo globalizado de hoje, onde os grandes grupos políticos-estratégicos estão se articulando em torno de grandes comunidades culturais. Em um cenário como este, a Comunidade Ibero-Americano seria convocada a desempenhar, sem dúvida, um papel importante.
Muito vinculada à cultura, como a espinha dorsal do Ibero-americano, a educação constitui um elemento essencial desta comunidade e, ao mesmo tempo, um caminho para o futuro. Tudo o que foi dito até aqui sobre a língua e a cultura comuns, favorece um grande projeto educacional ibero-americano. Este projeto poderá ser estruturado em torno de dois pilares, a mobilidade de talentos e a transferência de conhecimento.
A mobilidade de talentos demanda a transferência de profissionais de onde são excedentes para onde são deficitários e sua implementação requer a eliminação de obstáculos administrativos (homologação de títulos), corporativos (associações profissionais) e migratórios (vistos) para que engenheiros, arquitetos, médicos, professores, etc., possam circular livremente por este espaço Ibero-americano.
“A educação constitui um elemento essencial desta comunidade e, ao mesmo tempo, um caminho para o futuro.
A transferência de conhecimentos precisa, além de programas e projetos específicos, da mobilidade de estudantes e professores, da cooperação no âmbito da pesquisa e da transferência de tecnologia que permita avançar em direção a um mercado ibero-americano do conhecimento.
Edmundo O’Gorman, notável historiador mexicano, sustentou com bons argumentos que a América não foi descoberta, mas inventada. Poderíamos dizer o mesmo sobre a Ibero-América, já não como uma comunidade que preexiste a todos nós, mas como um projeto político baseado na cultura, na educação e na cooperação entre os Estados-Membros. A renovação do sistema ibero-americano, sobre o qual estamos trabalhando todos os países da Conferência, nos ajudará a fazer desta invenção uma realidade.