O colapso da hierarquia e a nova diplomacia
O poder não é o que costumava ser – nem está onde estava. Grandes instituições, como governos e corporações, ainda exercem uma influência significativa. Contudo, há uma mudança muito real, bem documentada e em curso no poder, que está se afastando dos estados e se aproximando da sociedade civil. Se Moises Naim, autor de “The End of Power”, estiver certo, a própria natureza do poder está se transformando: o poder está “decaindo… é mais fácil de ganhar, mais difícil de usar e mais fácil de perder”.
Do meu ponto de vista como Diretor de Comunicação no Ministério de Relações Exteriores e da Commonwealth do Reino Unido, essa transformação é muito relevante para a maneira de conduzir nossos negócios. Nós trabalhamos com o poder e, se o poder está mudando, o mesmo acontece com os fundamentos da diplomacia. Quatro anos atrás, o Ministro das Relações Exteriores William Hague descreveu essa transformação em um importante discurso sobre a política externa britânica: “As relações entre os estados deixaram de ser monopolizadas por ministros das relações exteriores ou primeiros-ministros. Agora, existem muitas conexões entre indivíduos, a sociedade civil, empresas, grupos de pressão e organizações de caridade. Elas também fazem parte das relações entre as nações e estão sendo rapidamente aceleradas pela Internet”. O Twitter tinha sido lançado apenas quatro anos antes. As tendências em assuntos internacionais identificadas por William Hague aceleraram desde então.
Nessa nova diplomacia, a comunicação está na linha de frente.
Os governos, como as grandes empresas – e eu trabalhei em ambos –, estabeleceram estruturas e processos desenvolvidos para promover, proteger e interagir com hierarquias que são formadas por séculos de experiência de poder. A ordem dessa hierarquia permanece praticamente intacta: o chefe do executivo e o presidente, o ministro do gabinete e os altos funcionários, as comissões e processos que os apoiam. Porém, algo extraordinário está acontecendo nos bastidores: essas hierarquias estão em colapso.
Para ter sucesso naquilo que William Hague chama de o “mundo em rede”, precisamos nos adaptar, nos tornar mais ágeis e responsivos e construir novas alianças e novas redes em todos os níveis, não apenas no topo.
É uma luta desconfortável para algumas pessoas que estão acostumadas com o velho poder – e isso inclui a maioria da minha geração pré-Internet. Tradicionalmente, o sucesso estava associado ao comando e ao controle. Agora, as redes estão na liderança e, para construí-las, precisamos de novos sistemas e habilidades, além de uma nova licença para os diplomatas trabalharem. Nessa nova diplomacia, a comunicação – nosso negócio principal – está na linha de frente.
A revolução da Internet significa que a interdependência entre as sociedades e os políticos é forte e imediata. Hashtags não podem mudar o mundo por conta própria, mas, como vimos com #bringbackourgirls, elas conseguem conduzir ações políticas de forma inédita. O novo diplomata precisa ser um comunicador excelente e aberto no mundo em rede.
Queremos que nossos funcionários participem de debate e discussão nas redes que importam. Isso significa relacionar-se com nossos públicos-alvo em seus termos – seja o Twitter, Facebook, Instagram, YouTube, Buzzfeed (uma novidade para nós) ou em redes diplomáticas tradicionais. Atualmente, o Ministério das Relações Exteriores incentiva o uso de mídias sociais como uma habilidade importante. As regras referentes a esse uso são claras e permissivas: devemos deixar que nossos funcionários façam seu trabalho. Eles não erram com frequência, mas, quando erram, não são demitidos (bem, isso ainda não aconteceu…). Nós os corrigimos com cuidado e, como eu disse no recente encontro anual de embaixadores, os incentivamos a seguir em frente.
O Ministério das Relações Exteriores incentiva o uso de mídias sociais como uma habilidade importante.
Os resultados podem ser impressionantes. Leia sobre o debate inspirado pelo nosso Embaixador no Líbano no ano passado aqui[1]. Ou veja como nossa embaixada em Madri está usando as mídias sociais para se comunicar com diferentes públicos: ela utiliza mais de doze canais de mídias sociais diferentes. Cada um deles é direcionado a um público específico, desde os 14 milhões de britânicos que visitam a Espanha todos os anos até as empresas britânicas que querem vender seus produtos e serviços na região da Catalunha. O embaixador britânico Simon Manley tem uma conta ativa no Twitter e a embaixada produz vídeos de alta qualidade que são divulgados por meio do Facebook. As tradicionais entrevistas em jornais e artigos de opinião ainda têm seu lugar, mas, hoje em dia, são apenas uma parte de uma gama de atividades muito ampla para atingir públicos extremamente fragmentados.
Em todo o governo, o Reino Unido está transformando sua oferta digital – reunindo serviços em www.gov.uk e colocando a experiência de usuário de qualidade em primeiro lugar. Sob minha direção, o Ministério de Relações Exteriores e da Commonwealth criou uma unidade especial para supervisionar essa transformação digital da organização, com treinamento e suporte dedicados. O conhecimento digital se tornou o centro das atenções em nossa conferência de liderança deste ano. Os embaixadores foram incentivados a capacitar suas equipes e liderar por meio de exemplos.
Além da comunicação pura, a nova diplomacia aproveita o mundo em rede por trás das campanhas que importam. Em junho de 2014, o Reino Unido receberá a Cúpula Global para Acabar com a Violência Sexual em Conflitos (#TimeToAct): trata-se de uma grande aliança – uma rede global – de governos e da sociedade civil liderada por William Hague e pela Representante Especial da ONU Angelina Jolie. Todos estão unidos em torno de um objetivo claro: pôr um fim ao estupro como arma de guerra.
Vemos uma grande oportunidade para aproveitar a criatividade e a imaginação de todos os nossos funcionários – ultrapassando a tradicional hierarquia de ministros e embaixadores – para atingir novos públicos, construir redes melhores e prestar serviços melhores. Estamos no caminho – saiba mais aqui[2] –, mas sabemos de uma coisa: precisamos atualizar e renovar nossos esforços de forma constante devido ao ritmo da mudança com a qual estamos lidando.