A responsabilidade regional da diplomacia brasileira
O Brasil possui a maior economia, a maior população e seu território faz fronteira com dez dos doze países da América do Sul. Sua situação geográfica lhe impõe uma responsabilidade e um engajamento regional diante da globalização. Os manuais do Itamaraty nunca preconizaram nossa liderança no continente, uma vez que ela não se impõe. Ela é exercida como consequência natural da dimensão física e do peso econômico do país.
A capacidade de influenciar é importante para que o Brasil possa conformar um continente politicamente estável, economicamente próspero e socialmente mais justo e pacífico. Será inviável almejar um Brasil desenvolvido em meio a uma vizinhança em penúria. Para a diplomacia brasileira, a integração é o único caminho para lograr o desenvolvimento regional, que proporcione bem-estar e prosperidade aos povos sul-americanos. É impossível conceber o convívio entre países de um mesmo continente, fazendo uso de seus recursos naturais e geográficos, construindo suas infraestruturas viárias, hidroviárias e energéticas, de forma autônoma ou isolada.
Para impulsionar esse esforço de integração, o grande desafio da diplomacia é compreender e respeitar a diversidade política e econômica do continente, ainda que, nem sempre, concordemos com essas diferenças. Esta tem sido para a política externa do Brasil condição inerente à nossa capacidade de influenciar. Esta é provavelmente a missão mais árdua e complexa que o Brasil tem para assegurar uma convivência harmoniosa e preponderante com seus vizinhos.
Os manuais do Itamaraty nunca preconizaram nossa liderança no continente, uma vez que ela não se impõe. Ela é exercida como consequência natural da dimensão física e do peso econômico do país
O Brasil nem sempre tem conseguido aglutinar as políticas dos países vizinhos. Dentre outros fatores, a crise financeira de 2008, que parecia de início uma mera turbulência de efeitos passageiros, acabou, nesses últimos anos, absorvendo boa parte das energias e dos recursos para fins internos do país, em detrimento de uma política externa mais atuante e protagonica, capaz de melhor lidar com as carências e os reveses sofridos por alguns dos importantes países vizinhos.
Não é por acaso que o Brasil mostrou-se, nos últimos anos, pouco atuante perante as adversidades enfrentadas no continente. São exemplos mais recentes a suspensão do Paraguai das deliberações do Mercosul; a crise política e econômica na Venezuela; as barreiras comerciais e a crise cambial da Argentina; e o episódio da fuga ao Brasil do asilado Senador boliviano Roger Molina.
Recentemente, porém, demos uma guinada na nossa atuação diplomática, ao buscar impulsar os países vizinhos em um esforço de maior integração comercial à economia global e suas cadeias de produção diante da inexorável dinâmica nas relações internacionais em termos de produtividade e competividade.
O comércio é, de fato, o maior fator de aglutinação econômica, social e cultural na relação entre países. Constitui a pedra angular de um projeto real de integração. O grande exemplo da História recente é a criação, em 1951, da União Europeia, através da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA.
O grande desafio da diplomacia é compreender e respeitar a diversidade política e econômica do continente, ainda que, nem sempre, concordemos com essas diferenças
A retomada do processo negociador de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia é exemplo dessa guinada. Predomina a convicção de que um acordo de comércio que estabeleça a maior área de livre comércio do mundo conferirá maior estatura e projeção ao Mercosul e aos desígnios do Brasil para a integração na América do Sul. A determinação do Brasil em levar adiante o processo negociador nos levou, pela primeira vez no Mercosul, a ameaçar com uma negociação em ritmos de liberalização diferenciados, caso a Argentina continuasse recorrendo a justificativas dilatórias.
Além disso, diante da defasagem competitiva que vive a economia produtiva do Brasil, prevaleceu a percepção, inspirada sobretudo pelos meios empresariais, de que a negociação de acordos comerciais deveria ser mais abrangente, focada em uma dimensão estratégica para o comércio, que permita um maior engajamento nas cadeias de produção global, mediante o resgate da competividade de nossos produtos, em particular dos manufaturados, no mercado internacional.
Acredito que deveríamos, nesse sentido, fomentar uma negociação de espectro mais amplo e não nos ater ao modelo clássico de acesso a mercados. Ao fazermos no Mercosul concessões no âmbito regulatório, estaremos amoldando e integrando nossas economias e práticas de mercado a padrões normativos e regulatórios comuns, abrindo espaço para a maior inserção conjunta da América do Sul na produção industrial e no desenvolvimento tecnológico mundial.
O objetivo do Brasil é fortalecer o Mercosul como projeto de integração para, no futuro, expandi-lo regionalmente, não como um empreendimento apenas do Cone Sul, mas como instrumento de união da América do Sul. A UNASUL constituiu-se como foro de diálogo político na América do Sul pela dificuldade circunstancial, nos anos 90, de se promover a expansão comercial regional através do Mercosul. A verdadeira integração da América do Sul só será possível quando se puder concretizar uma união aduaneira em toda a região. E essa responsabilidade recai, sobretudo, no Brasil.