A diplomacia telefônica da Casa Branca
O primeiro ocupante da Casa Branca que atendeu a um telefone – Rutherford B. Hayes, em 29 de junho de 1877 – só podia falar com o Departamento do Tesouro ao lado. Não existiam operadoras nem centrais telefônicas, e o som era horrível, porém o então presidente dos EUA não hesitou em qualificar essa nova invenção como algo “maravilhoso”. Mais de um século mais tarde, essa mesma tecnologia, atualizada para a era digital, tornou-se uma ferramenta indispensável para o exercício da diplomacia telefônica da Casa Branca.
Na tarde de 1º de março desse ano, o presidente Obama atingiu um impressionante recorde telefônico, ao manter, durante 90 minutos,[1] uma conversa tensa com o presidente Vladimir Putin antes de ser concretizada a anexação da Crimeia à Rússia. Ao longo do que é considerada a crise mais complicada desde o fim da Guerra Fria, a Casa Branca e o Kremlin mantiveram conversas telefônicas em meia dúzia de ocasiões, dentro de uma maratona telefônica motivada pela Ucrânia, que se estendeu, com diferentes frequências, para os responsáveis máximos políticos da Alemanha, Grã-Bretanha, França, China, Canadá, Estônia, Itália, Japão, Cazaquistão, Letônia, Chipre, Polônia e Espanha. Ao longo desse processo, não passou despercebido que, justamente na era da internet, o telefone ainda seja uma ferramenta indispensável para gerenciar crises internacionais.
O telefone, uma tecnologia do século XIX, costuma ser a ferramenta mais utilizada pelos presidentes dos Estados Unidos durante as crises internacionais.
A justificativa mais pragmática para a prevalência de um sistema de comunicação originário do século XIX é que nem todos os países possuem sofisticadas alternativas audiovisuais, tais como SVTC (Secure Video Tele Conference). Junto com a quase universalidade do telefone, seu uso diplomático também se justifica devido às vantagens oferecidas pela voz humana. Como explicou um antigo alto funcionário da Casa Branca[2], a conversa por telefone “é imediata, relativamente fácil de ser estabelecida e garantida e, ao mesmo tempo, é muito pessoal”. Na verdade, para aumentar essa desejada sensação de aproximação, costuma-se evitar o uso de alto-falantes.
Inclusive sem a necessidade de tradução, haveria ocasiões em que o som direto facilita o enorme desafio de se comunicar de uma maneira eficaz sobre questões crucias, aprofundar em detalhes em negociações delicadas e estabelecer vínculos para além das distâncias geográficas e diferenças culturais. Embora também existam limites no que diz respeito a suprir as deficiências individuais que cada presidente possa ter sobre questões intangíveis de empatia, liderança e persuasão.
Antes de chegar ao cerimonial: “Please, hold for the President”, a Casa Branca realiza todo tipo de preparativos à margem da mitologia do telefone vermelho, inventada por Hollywood durante a Guerra Fria.
Na Casa Branca, todos esses exercícios de diplomacia telefônica são coreografados nos mínimos detalhes. Antes de ligar, o presidente recebe um dossiê elaborado pelo Conselho de Segurança Nacional, que inclui um esboço confidencial do interlocutor e um elaborado resumo da agenda bilateral. Por exemplo, com a China, as ligações devem começar reiterando de forma contundente toda a política oficial dos Estados Unidos com relação a Beijing.
Geralmente, as conversas são realizadas com o auxílio de uma equipe de tradutores e ajudantes. O cerimonial inclui uma espécie de contagem regressiva e a famosa frase de introdução: “Please, hold for the President”. No entanto, apesar dos esforços para manter um tom educado e descontraído, às vezes, a conversa pode consistir no que, diplomaticamente, é conhecido como uma “franca e sincera” troca de pontos de vista.
Desde o escândalo de Watergate, essas conversas não são gravadas, porém, para consumo interno, é elaborada uma transcrição informal. Por exemplo, no livro publicado por Bob Woodward,[1] em 2004, são divulgados detalhes de algumas discussões sobre o uso da força contra o Iraque por parte do presidente George W. Bush e o presidente da Espanha, José María Aznar. No entanto, a conversa telefônica mais importante da Casa Branca com Moncloa teria sido o urgente aviso de âmbito financeiro feito pelo presidente Obama a Zapatero, na primavera de 2010.
Herbert Hoover foi o primeiro ocupante da Casa Branca a ter um telefone na sua escrivaninha do escritório oval. Atualmente, o aparelho em questão costuma ficar guardado em uma gaveta do lado esquerdo do histórico resolute desk. E, claro, não é vermelho. Essa famosa hotline é uma invenção de Hollywood[2], baseada na conexão com a ajuda de teletipos criptografados que foi estabelecida entre o Pentágono e o Kremlin após os graves problemas de comunicação direta que ocorreram durante a crise dos mísseis cubanos.
Desde 1º de janeiro de 2008, é utilizado um novo sistema de fibra ótica, que permite uma troca confidencial de e-mails entre computadores especiais. Seu funcionamento é verificado a cada hora, todos os dias do ano. Em tempos um pouco mais pacíficos, em 2010, o presidente Obama chegou a fazer uma brincadeira, dizendo que, algum dia, o Twitter poderia se transformar na nova conexão direta entre Moscou e Washington.