Uma Aliança que beneficia o cidadão
A pouco mais de dois anos de assinada a Aliança do Pacífico, instância de integração econômica, cultural e social entre Chile, Colômbia, México e Peru, é importante ler os sinais e o sentido que tem o esforço de integração.
Além da importância do acordo, o relevante é que transmite a comunidade latino-americana e internacional a visão compartilhada pelos países-membros da necessidade de fomentar o livre-comércio e a competitividade de suas economias como modelo para alcançar o desenvolvimento econômico. Mas este convencimento de ir além do crescimento econômico não faz sentido em si mesmo, embora permita impactar positivamente a pobreza e diminuir a desigualdade social.
Chile, Colômbia, México e Peru podem ser considerados atualmente como as economias emergentes melhor avaliadas dentro da América Latina, e são reconhecidas em nível mundial. Segundo números do FMI, este bloco goza de boa saúde. Os números de 2012 mostram um PIB de US$ 2 trilhões – que representa 3,5% do mundial; uma população de 211 milhões de pessoas, com um PIB per capita médio de US$ 14,2 e em constante aumento; uma taxa de desemprego média de 7,2%; uma inflação contida em torno de 3,5% e um investimento estrangeiro direto que alcançou os US$ 70 bilhões.
O crescimento econômico sustentado dos quatro países, assim como suas preocupações com o desenvolvimento social, foi destacado por organismos internacionais. De nossa realidade, em fim de outubro, a OCDE reunida em Santiago qualificou como robusto e sólido o desempenho econômico e fiscal do país em seu estudo Econômico do Chile 2013, e apesar de reconhecer uma tendência de desaceleração, ressaltou que o ritmo de criação de postos de trabalho no país é “invejável”. O Chile assinalou que, “a OCDE alcançou avanços formidáveis rumo a uma maior prosperidade econômica e de redução da pobreza. A renda per capita mais que quintuplicou durante os últimos 20 anos, se convertendo na mais elevada da América Latina”.
Ter a capacidade de somar as virtudes econômicas da integração produtiva, mudanças substantivas em benefício dos cidadãos é uma tarefa principal para este grupo.
Na mesma linha, um dos benefícios da Aliança do Pacífico é transmitir um clima propício de estabilidade política e econômica e sinais de certeza jurídica que tornem atraente o investimento estrangeiro internacional e entre países-membros. Como exemplo, o ranking 2014 sobre Facilidade para Fazer Negócios do Banco Mundial e a International Finance Corporation (IFC) publicado em outubro, localiza o grupo de países em torno dos 50 onde é mais fácil realizar um negócio, em um total de 189 nações. Por sua vez, o World Economic Fórum, em seu relatório sobre Competitividade das Nações, os situa dentro das 70 economias mais competitivas, em 148 países.
Mas, além de números, quais podem ser considerados impactos concretos deste esforço de integração?
O sentido da integração econômico-social é aprofundar a troca de bens, investimento estrangeiro e movimento de pessoas, com clara orientação em direção à promoção efetiva de oportunidades de negócios entre os países participantes. Obviamente, terá benefícios diretos sobre a troca comercial. Além disso, a aliança visa que exista livre circulação de bens de exportação que no conjunto representam US$ 20 bilhões em 2011 entre os países do bloco. Para isso, fomenta a cooperação entre alfândegas e um alívio tarifário de quase 90% dos produtos exportados entre as nações membros. Este esforço deve chegar diretamente aos consumidores, que poderão ter acesso a uma maior variedade e melhor qualidade de bens a menor preço.
Por sua vez, potencializará os já fortes e próximos laços comerciais gerados por grandes investimentos de empresas corporativas em países do bloco, que se transformaram em companhias “multilatinas”. Surge assim uma dupla oportunidade: os países de mercados emergentes não só são destinos de capital estrangeiro, mas se transformaram com rapidez em investidores importantes no exterior. Nesta tomada de decisões, os tratados tiveram um papel muito relevante porque conseguiram diminuir o nível de risco e permitir o crescimento em novos mercados.
A Aliança do Pacífico potencializará os já fortes e próximos laços comerciais gerados por grandes investimentos de empresas corporativas em países do bloco, as empresas multilatinas.
O ranking multilatinas 2013 da revista América Economia mostra que 56% das 80 corporações mais importantes da América Latina pertencem a algum país membro da Aliança do Pacífico. O México ostenta 18 empresas no ranking; Peru com três destacadas; Colômbia aparece pela internacionalização de quatro delas, e Chile lidera em volume com vinte empresas.
Na prática, as multilatinas foram capazes de transferir know how e experiência a serviço de projetos, clientes e comunidades em que atuam. A empresa de retail Mall Plaza, do Chile, é um claro exemplo: na década de 90, sustentou seu modelo de negócio no estudo profundo de uma classe média emergente no país para conhecer seus anseios e expectativas, o que o permitiu estar à frente das necessidades. Com essa visão, multiplicou “centros urbanos” paralelamente ao crescimento das rendas média dos chilenos. Depois, com olhar regional, identificou cenários similares e esforços de estabilidade política e econômica no Peru e Colômbia, e viu que o modelo era exportável: o Peru já tem quatro centros urbanos e se prepara a abertura do segundo na Colômbia. “Ser os maiores no Chile, com liderança em inovação e crescimento, nos levou a olhar para fora. Significou toda uma aprendizagem: primeiro nos víamos como do Chile, como uma empresa com operações no Peru e Colômbia, hoje nos colocamos como uma companhia regional, com padrões e propostas de valor regionais. Significa fazer as coisas e estruturar o negócio de outra forma, buscando as melhores práticas e aplicações locais”, destaca Fernando de Peña, que lidera o Mall Plaza há mais de 15 anos.
A Enersis e sua aliada Endesa na América Latina são outro exemplo de integração regional e sua participação ajudou a mudar a vida de muita gente em comunidades ou zonas isoladas. Mas não só esta companhia, várias empresas fazem uma aposta simultânea em educação, convencidas de que é a grande ferramenta que permite mobilidade social e que a possibilidade de estudar faz diferença. Múltiplos programas em diferentes países mostram como um trabalho coordenado permite transferir as melhores práticas em esforços que não passam só por melhorar rentabilidade de última linha, mas por investir em intangíveis com o melhor retorno: recursos humanos, mobilidade interna, segurança laboral e responsabilidade social.
Atualmente, o resto do mundo olha com interesse a Aliança do Pacífico. Há 20 países observadores, com intenções de se integrarem a ela, e alguns, como Costa Rica e Panamá, que já são candidatos a ser membros do grupo, o que demonstra o dinamismo e amplo potencial do bloco.
Mas como assinalamos ao iniciar esta reflexão, o esforço de crescimento econômico faz sentido na medida em que impacta na qualidade de vida da população dos países signatários. Há alguns anos, um fenômeno global movimentou a relação dos cidadãos com as instituições. O papel que foi assumindo a sociedade civil e a tendência a uma “cidadania ativa” impactaram frontalmente não só as decisões políticas, mas também a relação da população com as empresas, que constataram como importantes projetos em âmbitos produtivos e de serviços são questionados pela comunidade.
Atualmente, a comunidade é e deve ser vista como agente essencial para o êxito de projetos empresariais. Não reconhecê-lo ou abordá-lo de maneira reativa gera consequências que podem ser devastadoras e irreversíveis, em perdas não só de grandes investimentos, mas de reputação corporativa. Um desafio estratégico para as companhias é sua vinculação adiantada com seus entornos sociais, não só para conseguir a aprovação de um projeto, também para estabelecer uma relação de longo prazo e, sobretudo, de mútuo benefício. Um vínculo instrumental ou utilitário de parte da empresa tirará toda credibilidade e se transformará em um desperdício de recursos, energia e tempo.
No Chile, vemos sinais no caminho correto. Há um ano, o então presidente da Confederação da Produção e do Comércio (CPC), Lorenzo Constans, afirmou categoricamente que “a empresa tem uma responsabilidade que não podemos fugir: hoje devemos ser uma empresa cidadã, inserida nas comunidades e atenta às necessidades de todos os chilenos”.
No fim de outubro, houve um segundo sinal: empresários do mais alto nível avançaram em um esforço por estender boas práticas corporativas lançando o projeto “Bem comum, dilemas éticos e compromissos empresariais”, que aborda temas de livre concorrência; auto-regulações, comunidades e meio ambiente; relações com os trabalhadores, consumidores e stakeholders. Declarações como “a empresa não parte na venda e termina na utilidade, mas começa na venda e termina na sociedade”, de Alfonso Swett, vice-presidente da Sociedade de Fomento Fabril. E “a empresa só pode existir no longo prazo se entrega um benefício à sociedade maior que os custos que provoca”, de Gerardo Jofré, presidente do diretório da Codelco são sintomáticas de uma mudança que, esperamos, tenha chegado para ficar.
Também é bom sinal ver como os empresários hoje aplaudem e avaliam esforços de integração regional, instâncias que em décadas passadas foram tachadas de burocráticas e pouco eficientes.
O estudo Chilescopio 2012, apresentado pela Universidade do Desenvolvimento (UDD), revelou que 73% dos cidadãos consultados percebe “muito abuso” das empresas com os trabalhadores e que 71% considera que há “muito abuso” das empresas com os consumidores.
Apesar de o Chile ter mostrado um sólido crescimento econômico e uma importante redução da pobreza (38,6% em 1990 a 14,4% em 2011), se mantém como o país mais desigual entre os integrantes da OCDE e um dos 20 mais desiguais do mundo, segundo o Banco Mundial. Como destacou recentemente o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, a diminuição da brecha de desigualdade no Chile a partir da aplicação de políticas públicas na linha correta permitiu fazer diferença com outras nações. Acrescentou, no entanto, que o “nível continua sendo inaceitável do ponto de vista de nossas ambições respeito de uma sociedade mais igualitária”.
Nesse contexto, nem Chile nem os países integrantes da Aliança do Pacífico podem fechar os olhos. Também em palavras de Gurría, a desigualdade na América Latina pode ser abordada com mais educação, saúde, infraestrutura, oportunidades, crescimento e emprego, em um continente que apesar de não ser o mais pobre do mundo, apresenta as maiores desigualdades e, por isso, é preciso trabalhar nessas questões. Esse é um dos desafios da Aliança do Pacífico. Ter a capacidade de somar as virtudes econômicas da integração produtiva, mudanças substantivas em benefício dos cidadãos. Conseguir que declarações e acordos se traduzam em resultados percebidos e valorados pela cidadania é uma tarefa principal. Isso representa trabalhar uma relação estado-empresa-sociedade baseada na proximidade, no reconhecimento mútuo e na transparência.