A Aliança do Futuro
Após várias décadas de avanços rumo a uma abertura maior de seus mercados para a economia global, os presidentes de quatro países latino-americanos firmemente comprometidos com a abertura de suas economias ao mundo – Chile, Colômbia, Peru e México – se deram conta de que, sem querer, ao assinar tratados bilaterais de livre-comércio entre eles, tinham dado origem a uma zona de livre-comércio cujo tamanho a tornava o sexto maior mercado mundial, com um PIB conjunto de cerca de US$ 3 bilhões (PPP), comparável em tamanho ao PIB alemão. Ela havia surgido como resultado, tão natural como imprevisto, da assinatura de tratados de livre-comércio bilaterais entre esses quatro países. A oportunidade de construir a partir dessa nova realidade estava os encarando. Nem curto nem preguiçoso, o presidente peruano, Alan García, convidou os outros três líderes a usá-la como ponto de partida de um projeto de integração profunda dessas quatro economias. O chamado, rapidamente amparado por suas contrapartes, os levou a oficializar esta nova realidade em abril de 2011 e batizar o projeto como Aliança do Pacífico.
A decisão fazia todo o sentido do mundo. A visão de um mercado de cerca de 200 milhões de consumidores, com uma renda per capita de quase US$ 15 mil na média (PPP), livre de impedimentos ao comércio e comprometido com a livre circulação de pessoas e capitais, prometia prender a atenção do mundo. Uma integração comercial mais plena deveria dar também dinamismo a suas economias e facilitar o desenvolvimento de empresas nacionais interessadas em projetar suas atividades além de suas fronteiras. Sua posição negociadora diante de outros blocos econômicos, em particular aqueles situados na dinâmica Bacia do Pacífico, se veria fortalecida. Um projeto comum que apontasse a aprofundar e harmonizar as reformas liberais que tinham dado novo vigor a suas economias prometia, além disso, atuar em contenção contra as tentações populistas que historicamente seduziram os países da região ao longo de sua história, com consequências nefastas.
A Aliança do Pacífico nasceu quase espontaneamente da assinatura de acordos de livre-comércio bilaterais entre seus quatro países fundadores
Terá esse novo esforço integracionista o triste destino de uma longa lista de iniciativas que no final não prosperaram, como a extinta Associação Latino-Americana de Livre-Comércio, o Pacto Andino e o Mercosul? A evidência aponta em sentido contrário. Em primeiro lugar, a Aliança do Pacífico é um esforço pragmático que surge do reconhecimento de uma realidade prévia, e não de um sonho inatingível. Outra consideração importante é de que o critério de admissão ao grupo neste caso não é geográfico, mas institucional, o que garante uma relativa unidade de visão entre seus membros: desses só se exige aderir aos princípios de liberdade política e econômica que inspiram o projeto. O que à primeira luz poderia parecer uma fraqueza – o pequeno número de países-membros – é de fato uma força: a capacidade de gerar consensos e de coordenação efetiva tende a ser maior em grupos pequenos. Notavelmente, a vontade política de avançar na direção estipulada se manteve inalterada apesar das mudanças de governo nos países-membros. Sua aversão pelo tipo de esquemas protecionistas que caracterizaram seus antecessores, completamente defasadas das realidades da economia globalizada do século XXI, é outro sinal promissor. Sua aversão às estruturas burocráticas de governo supra-regional também é, como se reflete em sua adoção de mecanismos de colaboração mais informais, leves e ágeis.
Os avanços conquistados no pouco tempo transcorrido desde sua criação reforçam a ideia de que essa é uma Aliança com futuro. Os membros concordaram em eliminar uma série de encargos alfandegários que ainda subsistiam, a ponto de que, a curto prazo, 92% dos produtos ficarão livres de tarifas alfandegárias e outros 7% ficarão completamente livres em um prazo de 3 a 7 anos, e apenas 1% terá prazos de alívio mais longos, em linha com o combinado pelos TLCs assinados com os Estados Unidos, que contemplam uma cláusula de nação mais favorecida. Está se avançando também na harmonização das políticas de contratação pública, para que fornecedores de outros países-membros possam vender a seus governos produtos e serviços em condições de igualdade com fornecedores nacionais. Vários países estão abrindo embaixadas e escritórios comerciais juntos e promovendo o investimento estrangeiro, como ocorreu em um recente encontro dos líderes dos países-membros em Nova York. Paralelamente, os três países sul-americanos da Aliança, junto com Equador e Bolívia, iniciaram negociações para interconectar seus sistemas elétricos e avançar na harmonização de seus regimes regulatórios, visando estruturar um mercado integrado de energia elétrica entre os membros. O conceito é promissor: enquanto o Chile enfrenta um grave déficit de geração elétrica, a Colômbia tem um grande superávit. No contexto da Aliança, se criou um Conselho Empresarial que começou a elaborar propostas para estender o projeto a novas áreas, como por exemplo acordos tributários que facilitem a fusão de empresas de países-membros do bloco, de maneira de assimilar seu tratamento fiscal à das fusões domésticas. E os membros avançaram na integração de suas bolsas de valores com a recente criação do MILA (Mercado Integrado Latino-americano). Em resumo, trata-se pelo menos de um começo auspicioso.
Inovação e empreendimento prometem ser eixos comparáveis ao carvão e ao aço na Comunidade Europeia
O mundo reconheceu isso. À época, 20 países se somaram como observadores, entre eles países latino-americanos como Costa Rica, Panamá e Guatemala que desejam se incorporar eventualmente como membros plenos. O índice de potencial de investimento estrangeiro direto (IED) elaborado pela Unctad situa o bloco no topo em nível mundial. Não é de se estranhar: os países-membros captaram mais da metade do IED acumulado na região durante os últimos 12 anos.
O passo seguinte é identificar áreas de parceria entre os membros que deem um sentido transcendente ao projeto e permitem aos membros somar forças em torno de uma visão comum do futuro. No caso europeu, essa visão é a que deu origem ao projeto comunitário: a integração das indústrias-chave do carvão e do aço, para obter maior eficiência econômica e tornar mais difícil o início de conflitos bélicos entre os países-membros. A Aliança já parece ter achado um norte equivalente: a integração de seus esforços em matéria de inovação e empreendimento, especialmente no âmbito educativo. O presidente mexicano Peña Nieto os designou como os eixos para a integração e modernização de América Latina na recente cúpula ibero-americana. Isso deveria começar a se concretizar com a assinatura de uma série de acordos na Cúpula de Inovação e Empreendimento da Aliança, a ser realizada em Santiago do Chile no final do ano.
Se essa linha de raciocínio se concretizar, a Aliança não terá apenas um futuro muito promissor como bloco econômico, mas pode terminar se tornando o “núcleo” de um processo de integração regional que nas próximas décadas tornará realidade o sonho de Miranda, Bolívar e San Martín: uma América Latina unida que assuma um papel protagonista no cenário mundial. Essa, sim, seria uma Aliança de futuro.