A exemplaridade na empresa
Os contínuos escândalos em direções de empresas, especialmente no setor financeiro, provocaram uma nova onda de iniciativas que devem mudar, mais uma vez, os sistemas de governança corporativa (desde o relatório Cadbury, em 1992, quantas tentativas já foram feitas?). Tanto o setor público como as próprias empresas introduziram modificações no modelo de governança corporativa, sendo os bancos os mais afetados por este renovado impulso regulador. O presidente do banco espanhol BBVA defende que o modelo de gestão da Rentabilidade Ajustada aos Riscos, utilizado principalmente na indústria financeira, deve incorporar também a Rentabilidade Ajustada aos Princípios. “Para alcançar isto, são necessários dois elementos fundamentais: o primeiro consiste numa organização adequada, que articule o sistema de governança corporativa e os sistemas de conformidade, de gestão de risco e de responsabilidade corporativa, integrando os princípios e normas éticas à estratégia do BBVA, garantindo que eles sejam conhecidos e assumidos por toda a organização. O segundo é uma liderança publicamente comprometida com nossos princípios e valores, de modo que os difunda ativamente” (“Valores e Ética para o Século XXI”, BBVA, 2011”). A imensa maioria das grandes empresas tem um sistema de governo corporativo e sistemas de conformidade e controle, assim como códigos éticos e de conduta. Mas o que acontece com o segundo elemento, a liderança exemplar?
A exemplaridade de diretores continua sendo algo excepcional em grandes corporações
Os sistemas de remuneração projetados pelos Conselhos de Administração das entidades de crédito contribuíram para a crise financeira, nas palavras do Secretário do Tesouro, Tim Geithner, ao permitir que as pessoas fossem capazes de obter ganhos imediatos sem verem refletidos na sua compensação, os riscos que estavam assumindo, a longo prazo, para suas companhias e acionistas (“Ethical Leadership and Executive Compensation”, ERC, 2010). A Junta de Acionistas do Citigroup recentemente rejeitou o plano de remuneração de US$ 15 milhões para 2011 de seu CEO, Vikram Pandit, quando as ações caíram 44% no mesmo ano. A JP Morgan, dirigida por James Dimon, um dos CEOs mais influentes da indústria, anunciou que havia perdido US$ 5 milhões por operações com derivativos durante os meses de abril e maio. O Wall Street Journal questionou se o banco agiu como um cassino ou se limitou a cobrir posições de seu portfólio (“Hedge or Bet? Parsing the J.P. Morgan Trade”, 16/05/2012). Em 2011, Dimon recebeu uma remuneração total de US$ 23 milhões, enquanto as ações da JP Morgan baixavam 24% durante o mesmo período. A demissão do CEO da Barclay’s, após o escândalo da Libor, não o impediu de obter uma remuneração de € 20 milhões, apesar das ações do banco terem perdido 30% do valor durante os 18 meses em que ele esteve à frente do cargo.
Quase cinco anos após o início da crise econômica, a exemplaridade de diretores continua sendo algo excepcional nas grandes corporações. No entanto, como afirmou Peter F. Drucker, a única escolha que se estabelece a um executivo é se seu exemplo conduzirá outros a trabalharem bem ou mal. Portanto, sua obrigação ética consiste em dar exemplo de boa conduta, evitando converter-se em exemplo de má comportamento. “Os gestores precisam dar exemplo qualquer que seja a organização. Eles determinam o tom, criam o espírito, definem os valores da empresas e os divulgam para as pessoas que trabalham nela” (“El cambiante mundo del directivo”, 1987). Siegmund Warburg, fundador do Banco S. G. Wargurg & Co. e um dos banqueiros de Londres mais respeitados e admirados de sua geração, morreu em 1982 com um patrimônio inferior às remunerações obtidas hoje em dia por alguns banqueiros em apenas um ano. Um de seus sócios disse: “A reputação que temos hoje é mais que um conceito de negócio: é seu próprio ser em ação” (“High Financier. The Lives and Time of Siegmund Warburg”, 2011).
Os interesses dos stakeholders serão muito melhor defendidos se seus executivos reúnem, a um só tempo, atributos como profissionalismo e honestidade
Os interesses dos stakeholders sempre serão melhores defendidos se seus diretores reúnem, a um só tempo, atributos como profissionalismo e honestidade. O critério da reputação profissional em uma indústria pode ser entendido como complementar a um bom hábito, traduzidos em coerência e unidade da vida pública e privada do indivíduo. A pesquisa AMA/HRI Business Ethics Survey 2005 descobriu que os dois processos mais importantes para conseguir assegurar uma cultura corporativa ética tinha relação com a liderança. O primeiro é ter líderes que apoiem e sejam modelos de comportamentos éticos. O segundo é uma comunicação ética consistente de todos os líderes. William George foi CEO da Medtronic, empresa líder em tecnologia e equipamentos médicos durante dez anos (1991-2001). A Medtronic foi considerada a empresa mais inovadora e especialista no mercado de produtos médicos e George um dos melhores estrategistas da indústria (The Economist, 2000). Em 2001, ele foi eleito o melhor diretor do ano pela Academy of Management en Washington DC. “Quando a liderança vende sua própria alma para obter vantagens pessoais, abandonando valores permanentes ou sua missão, a confiança se quebra e nunca mais poderá ser restabelecida. Para alcançar um êxito sustentável, a empresa deve pensar em uma missão a longo prazo, liderando com valores de cima para baixo”. William George atualmente é professor de Management Practice, Henry B. Arthur Fellow of Ethics, na Harvard Business School e um dos pensadores e escritores de management com mais sucesso e prestígio no mundo.
As mudanças normativas feitas para melhorar a gestão corporativa sempre esbarrarão na ética da convicção
Todas as mudanças normativas feitas para melhorar a gestão corporativa sempre esbarrarão na ética da convicção. E isto acontecerá todas as vezes que os interesses pessoais dos altos executivos das empresas prevalecerem sobre o dos stakeholders. Segundo Claudio Fernández-Aráoz, um terço dos CEOs que deixam o seu trabalho são demitidos ou forçados a se demitir (“Great People Decisions”, 2007). Um amplo estudo coordenado por Frederick Reichheld (2001), feito entre empregados, concluiu que estes só estão dispostos a estender sua lealdade a líderes e organizações que mostrem uma grande integridade. Se, como defendeu o professor Pérez López, uma teoria da liderança é, definitivamente, uma teoria de liderança, esta deverá ser entendida como a capacidade do gestor para alcançar as mais profundas motivações da ação humana, ajudando seus subordinados a descobrir o valor e o significado daquilo que estão fazendo. Para ele, a exemplaridade é, provavelmente, o único caminho. O resultado da pesquisa Ethics Resource Center 2005 estabelece que os empregados teriam uma disposição muito menos favorável (com uma enorme diferença percentual de 50 pontos) a seguir comportamentos impróprios se a alta direção se comporta eticamente. Como Javier Goma afirma: “De nada adianta reformar a lei se ela não se sustenta em bons hábitos, e se esta, por sua vez, pende para a reforma da vida dos cidadãos comuns, mortais e exemplares, e para a renovação que estes infundem em seus círculos de influência” (“Ejemplaridad Pública”, 2009).