Mais ou melhor regulação?
Os últimos anos têm infelizmente sido férteis em crises nos mercados financeiros. O rebentar da bolha tecnológica do final da década de 1990, que levou os mercados accionistas a níveis de avaliação nunca antes vistos, gerou quedas nos principais índices superiores a 50% do valor máximo atingido. Ainda no seguimento dessa crise, a falência de gigantes como a Enron ou a MCI Worldcom, mostrou como relatórios contabilísticos, supostamente auditados e feitos segundo as regras em vigor na altura, podiam ser enganadores face aos riscos efectivamente assumidos. A conjunção destes eventos levou, aliás, a economia norte-americana a uma recessão, ainda que suave face à crise seguinte de 2007/2008.
O endividamentopúblico, considerado necessário então para evitar um cenário de depressão, é hoje a principal fonte de preocupação dos mercados
No início da crise financeira global do subprime, da qual ainda hoje sentimos as ondas de choque, fomos surpreendidos pela utilização criativa de derivados financeiros cada vez mais sofisticados que, conjugados com níveis de alavancagem nas instituições financeiras mais relevantes da economia global, tiveram como consequência uma recessão profunda nas principais economias desenvolvidas e um alterar completo do panorama de décadas na banca de investimento: vários dos principais nomes que todos reconhecemos foram adquiridos para não falirem (Bear Stearns, Merrill Lynch) ou chegaram mesmo a falir (Lehman Brothers). O endividamento público, considerado necessário então para evitar um cenário de depressão, é hoje a principal fonte de preocupação dos mercados.
Depois do início de uma crise, particularmente quando tem a dimensão sistémica da ocorrida recentemente, é natural que façamos perguntas: de quem é a culpa? O que podemos fazer para evitar que volte a acontecer? Se não formos capazes de evitar, como garantir que os custos são minimizados e não colocam em causa os restantes sectores da economia?
A regulação entra, assim, em foco na resposta a estas perguntas. Sabemos que a regulação tem necessariamente de ser um exercício de equilíbrio. Como exemplo extremo, é relativamente simples diminuir drasticamente o número de mortes na estrada se limitarmos, através de um dispositivo electrónico, a velocidade máxima dos veículos a 30km/h. Claro que tal medida, do ponto de vista económico e social, teria efeitos devastadores sobre o bem-estar das populações. Assim, o facto de uma potencial solução existir, do ponto de vista técnico, diz pouco sobre o efeito que essa solução teria do ponto de vista económico para o conjunto da sociedade. Ou seja, a regulação, amplamente necessária na defesa do bem-comum, tem de ter em atenção os potenciais efeitos nocivos, mesmo que estes derivem de boas intenções.
A inovação é essencial para a criação de riqueza, ainda mais num contexto de fraco crescimento demográfico nos países ocidentais. Criar novas formas, mais eficientes, de produzir mais com os recursos disponíveis implica um maior grau de sofisticação, tanto tecnológico, como financeiro. Claro que, como em todos os processos de inovação, os riscos e resultados futuros não são antecipáveis no presente e isso torna o trabalho dos reguladores mais difícil. Não é desejável que o ambiente regulatório elimine a capacidade de inovação. Mas, simultaneamente, é desejável que consiga evitar potenciais efeitos nefastos para o conjunto da sociedade.
A regulação, amplamente necessária na defesa do bem-comum, tem de ter em atenção os potenciais efeitos nocivos, mesmo que estes derivem de boas intenções
Vai também sendo mais claro que a mera persecução de interesses privados –a conhecida mão invisível de Adam Smith– não tem uma tradução tão directa quanto o desejado na procura do bem comum. O movimento de menor regulação a que assistimos no final do século passado, em particular na indústria financeira, não sendo o único, terá certamente a sua quota de responsabilidade no aumento do risco sistémico que degenerou na actual crise financeira. O foco cada vez maior de toda a nossa sociedade no curto-prazo, no imediatismo, faz-nos ignorar demasiadas vezes as consequências de longo-prazo na tomada de decisões, relevando riscos que, não sendo imediatos, se acumulam e têm tendência para surgirem nos momentos de maior tensão. Diversas medidas, como a obrigatoriedade de diferimento ao longo de vários anos de compensações derivadas dos lucros de cada exercício (e, naturalmente condicionadas à sustentabilidade desses mesmos resultados) foram já tomadas e parecem ir no caminho certo.
Assim, a resposta à pergunta mais ou melhor regulação parece ser mais e melhor regulação, pelo menos no sector financeiro. Por exemplo, uma incorporação crescente dos riscos e sustentabilidade de longo prazo nas remunerações do sector é um exemplo de melhor regulação. Por outro lado, será necessária mais regulação no sentido de criar uma separação eficaz entre o que tradicionalmente se considera banca de retalho e banca de investimento, importante para minorar a criação de entidades que se tornem too big too fail, acabando o custo de uma eventual falência por recair no bolso dos contribuintes.