União Europeia – América Latina: uma nova oportunidade?
Sempre foi falado que a relação entre a União Europeia e a América Latina é unida pela história, pela língua, pela religião, pelos valores políticos, sociais e econômicos. Motivos não faltam para termos um excelente relacionamento. Apesar disso, passamos décadas tentando construir uma relação sólida, duradoura, de confiança e benéfica para ambas as partes e não conseguimos. Devemos nos perguntar por que isso não foi alcançado. É uma pergunta relevante neste caso.
Não conseguimos construir uma relação comercial, cultural ou temática de longo prazo. Sempre ocorreu devido a situações específicas, tanto na Europa quanto na América Latina. Quando a União Europeia não tem conflitos ou situações específicas em seu ambiente mais próximo, ela tende a reavivar seus laços com a América Latina. Quando há governos com ideias semelhantes na América Latina, a relação flui, ou quando o Alto Representante para as Relações Exteriores vem de um país “latino”, como foi o caso de Federica Mogherini, a relação aumenta; agora, com Josep Borrell, fala-se novamente em relançar o relacionamento.
A América Latina tem seus próprios desafios que são maiores hoje do que há algumas décadas. Enfrentamos problemas maiores em decorrência da pandemia. Pobreza. Desigualdade. Atraso digital: menos de 50% da população tem acesso à banda larga, e isso hoje, na era digital, é um grande atraso. A falta de liderança dos presidentes da região dificulta encontrar formas de ajudar a mitigar os problemas e, acima de tudo, que trabalhem juntos para avançar nos diálogos com outras regiões.
Historicamente, a América Latina não conseguiu se unir para trabalhar de forma conjunta e sistemática, além do curto prazo. Temos mecanismos de diálogos criados que nem sequer são convocados
Temos que reconhecer que, historicamente, a América Latina não conseguiu se unir para trabalhar de forma conjunta e sistemática, além do curto prazo. Temos mecanismos de diálogos criados que nem sequer são convocados. Não ouvem o outro. Nos últimos anos, apesar das diferenças de modelos políticos e econômicos, manteve-se o diálogo, foram feitos esforços para sentar à mesma mesa e ouvir uns aos outros. Agora, nos últimos anos, os presidentes preferem não comparecer às cúpulas, ou simplesmente criam mecanismos de diálogo que excluem aqueles que não compartilham de sua posição política. O caso do Prosur criado em 2019.
A Venezuela, sem dúvida, foi o fator que acabou com a integração, e diria também, com os mecanismos de diálogo entre os países. Acabou a OEA como espaço de diálogo e concertação, a Celac, a Unasul; hoje continuamos com o mesmo regime venezuelano, já reconhecido por quase toda a região, e por outro lado, a integração da América Latina não existe. O diálogo Celac-União Europeia perdeu a força com que foi criado, sem contar a Cúpula das Américas, que foi palco de diálogo com Estados Unidos e Canadá
Agora, com a chegada de Lula novamente ao Brasil, parece que a integração na região está se reativando. Esperemos que não caiam nos erros do passado de ideologizar o diálogo. Esperamos que isso seja alcançado.
Sem dúvida, a América Latina tem esperado mais da União Europeia do que lamenta ter recebido. E a UE tem sentido que a América Latina não progrediu como se esperava, nem se comporta com os valores democráticos que gostaria. Além disso, deve-se reconhecer que, com exceção de Espanha e Portugal, o interesse na região é baixo.
A União Europeia precisa de uma visão a mais longo prazo, sem se centrar nas crises específicas da região. Mas é preciso seguir em frente, manter o diálogo sem ideologizar, mas pensando no crescimento e no que seria uma América Latina em melhores condições. Não esqueçamos que somos 700 milhões de pessoas, com uma percentagem muito elevada de população jovem, grande riqueza e recursos naturais. Há um caminho importante a percorrer: não só que a UE continue a ser o maior investidor direto, mas que o faça com novos programas centrados nos problemas atuais, que ajudem a região a sair do seu constante atraso.
Temos desafios globais, como o resgate do multilateralismo; as duas regiões são, sem dúvida, grandes defensoras do multilateralismo. O cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a energia verde, as novas fontes de energia limpa, os crimes de narcotráfico transnacional, a migração… são problemas aos quais a resposta deve ser global, não apenas de alguns.
É imperativo que a União Europeia entenda que a América Latina é diversa, que não se pode esperar que ela reaja em uníssono, que os processos devem ser compreendidos mais do que as circunstâncias. É fundamental que entenda os contratempos e, porque não dizer, as incoerências em que vive, sem paralisar a relação com cada situação que se apresenta.
O recente anúncio da União Europeia de reativar o relacionamento com a região é muito positivo e a Presidência da Espanha no Conselho no segundo semestre de 2023 é favorável para que isso seja alcançado. A minha experiência como Chanceler da Colômbia durante o processo de paz me permite acreditar, porque o vivi, que podemos trabalhar em conjunto com a UE, obtendo grandes benefícios.
Posso parecer otimista nestes tempos difíceis, mas acredito que existe uma oportunidade para a América Latina contribuir para a solução de vários problemas globais, especialmente alguns essenciais para o futuro da Europa. Por exemplo, a América Latina é uma região rica em matérias-primas (lítio, cobalto, cobre) essenciais para uma transição energética sustentável, além da imensa capacidade de geração de energia renovável, a existência de grandes áreas com potencial para desenvolvimentos agrícolas necessários para garantir segurança alimentar ou florestas cruciais para a captura de CO2 na luta contra o aquecimento global. Aproveitar esta riqueza é uma oportunidade de trabalhar em conjunto com a Europa.