Primeiro, o primeiro
A motivação das equipes de marketing e comunicação tem sido recorrente para garantir que a proposta de valor das marcas seja respaldada por uma história que transcenda a satisfação dos benefícios funcionais e expresse, com clareza, o propósito de cada uma das marcas que compõem o portfólio e, que devem acompanhar, claro, um negócio lucrativo.
No entanto, parei para rever a ordem natural desse processo de construção da marca porque as evidências me permitiram estabelecer que é muito frequente encontrar estratégias focadas na construção do propósito da marca, sem antes ter se avaliado os marcos da cadeia de valor que respaldam essa promessa. Parece simples, e muitas vezes se dá como certo, que conseguimos resolver as tensões dos consumidores a partir de uma matriz de mensagens que ilustram uma história emocional quando, na realidade, estes estão preocupados em ter novos ingredientes, sabores, experiências e tendências globais que significam oportunidades em categorias que ainda estamos desenvolvendo.
Minha reflexão gira em torno do momento em que concentramos todos os nossos recursos na estruturação daquela plataforma a partir da qual o propósito das marcas trafegará, quando talvez esse primeiro exercício mereça uma breve parada para avaliar se, de fato, nossa proposta está satisfazendo as necessidades do novo consumidor, esse consumidor informado, exigente, crítico, que evolui todos os dias, assim como seus gostos e preocupações.
“Apesar do fato de, em sua linha de mensagens, muitas marcas comunicarem seus esforços em programas de valor compartilhado e preocupação com o meio ambiente, os compradores acabam escolhendo produtos de outro concorrente”
É difícil pensar que esse novo consumidor se conecta com o propósito das marcas (sem levar em consideração os atributos e benefícios funcionais e emocionais, que continuam tendo grande influência em suas decisões de compra), para avaliar outros elementos que provavelmente hoje não fazem parte do leque de possibilidades. Em vários estudos, pudemos constatar que, apesar do fato de, em sua linha de mensagens, muitas marcas comunicarem seus esforços em programas de valor compartilhado e preocupação com o meio ambiente, com os compradores, além de reconhecerem o louvável ou belo trabalho que realizam, acabam escolhendo produtos de outro concorrente por variáveis como sabor, preço ou novos ingredientes.
Atrevo-me a afirmar, então, que a relevância do propósito das marcas deve ser inspirada em uma satisfação holística dos desejos e motivações do consumidor, transcendendo o puramente funcional, mas ligando-o diretamente a uma proposta que impacte sua qualidade de vida, com atributos que incluem seus próprios benefícios, da comunidade onde vive e do planeta que marca a tendência do futuro próximo. Três variáveis definitivas para alavancar a definição de storytelling e estabelecer as bases de uma plataforma de comunicação que se conecta com o tom e os tipos de conversações que o consumidor está esperando. Depois de atravessar esse caminho, poderíamos pensar em tocar as portas de seus canais de comunicação e pedir que nos permitam entrar naquela área onde queremos construir um relacionamento direto com eles.
“A relevância do propósito das marcas deve ser inspirada em uma satisfação holística dos desejos e motivações do consumidor, transcendendo o puramente funcional”
Agora, também é indispensável pensar sobre os pontos de contato em que vamos estabelecer essas conversações, especialmente aquelas que selecionamos para falar sobre o propósito das marcas, porque a receptividade à mensagem varia radicalmente de um cenário para outro. Em algumas redes sociais, por exemplo, os seguidores estão buscando socializar, atualizar-se ou falar de temas lights que os ajudem a encontrar momentos de distração. Nos meios tradicionais, as mensagens são curtas e são discutidas em meio a uma grande agenda informativa que desafia as possibilidades de se sobressair com histórias chamativas, inovadoras e diferenciadas e com argumentos tangíveis de validação.
Por isso, é muito importante que antes de ativar as equipes de comunicação, tenhamos claro o status do storydoing, essa determinante narrativa de gestões e evidências que sustentam cada fragmento das histórias que poderíamos contar para respaldar a proposta de valor das marcas em diferentes pontos de contato, de acordo com a sua relevância e afinidade. Não pensemos em projetar uma estratégia de comunicação sem ter feito a tarefa de revisar o inventário de conquistas, compromissos e resultados alcançados em qualquer uma das linhas de mensagem que dão vida ao propósito de cada marca.
Phillip Kotler disse: “Não basta satisfazer os clientes. Agora, temos que deixá-los encantados”. E acho que parte dessa procissão que as marcas devem promover para fazer com que cada consumidor se apaixone baseia-se em garantir um equilíbrio entre a satisfação das necessidades e a conexão com um propósito superior, que consiga conectá-los a qualquer uma de suas três dimensões, priorizando, entre os aspectos, aqueles que impactam diretamente a rotina de cada indivíduo e suas decisões do dia a dia.