O potencial argentino para o desenvolvimento produtivo sustentável
A Argentina é um país com um enorme potencial para o desenvolvimento econômico e social sustentável, com base em seu acervo de capacidades tecnológicas e produtivas, dotação de recursos naturais, trabalhadores e trabalhadoras e sistema educativo. Lamentavelmente, esse potencial não foi plenamente aproveitado e o país atravessou sucessivas crise econômicas, instabilidade e carências de visões de longo prazo que limitaram esse desenvolvimento.
Hoje, a Argentina é um país de desenvolvimento intermediário, que recentemente atravessou uma dupla crise: uma crise macroeconômica iniciada em abril de 2018 com uma forte saída de capitais financeiros que deixou em evidência um profundo sobre-endividamento do setor público, e a crise emergente a partir da pandemia da COVID-19.
Esta dupla crise nos levou a redobrar os esforços. Em parte, para trabalhar no ordenamento da crise macroeconômica herdada, destacando as ações do Ministério de Economia na reestruturação da dívida com credores privados e com o Fundo Monetário Internacional. Tal reestruturação permitiu, por um lado, recuperar a sustentabilidade da dívida com os credores privados e gerar uma economia de 37,7 bilhões de dólares para o país e, com o FMI, estabelecer um acordo com um plano de facilidades estendidas que permita organizar a macroeconomia sem realizar ajustes do gasto real. Por outro lado, os graves efeitos da crise da COVID-19 levaram ao lançamento de um pacote de assistência inédito, que significou em 2020 um esforço fiscal e de mobilização de recursos financeiros equivalente a ao redor de 7% do PIB, grande parte da qual é explicada pelo pagamento de salários às empresas do setor privado em crise (através de programas como o de Assistência ao Trabalho e a Produção e, depois, o de Recuperação Produtiva), as transferências de ingressos aos setores mais vulneráveis, que foram os mais afetados pela redução da mobilidade derivada da pandemia (através do qual se conheceu como a Renda Familiar de Emergência) e a ampliação do financiamento para garantir a liquidez das empresas e trabalhadores e trabalhadoras autônomos.
O inédito pacote de ajuda ao setor produtivo durante 2020 —que em 2021 continuou, mesmo que com menor volume, considerando a melhora na situação econômica— foi crucial para evitar uma catástrofe em matéria produtiva e laboral. Graças a isso, uma vez passado o pior momento da pandemia, a economia recobrou uma acelerada senda de recuperação, motorizada particularmente pela indústria e, também, pelo complexo agropecuário, a energia, a mineração, a construção e os serviços baseados no conhecimento como o software. Tal recuperação permitiu que, no final de 2021, a economia argentina não somente houvesse recuperado o que foi perdido na pandemia, mas, por outro lado, também em boa parte de 2018 e 2019. Durante o quarto trimestre de 2021, o PIB foi 3,4% mais elevado que no mesmo período de 2019, com um marcado protagonismo do investimento produtivo, que cresceu 29,5% em termos reais, uma das maiores recuperações a nível mundial. Graças à melhora econômica, a taxa de desemprego —que havia tocado 13% no pior momento da pandemia— se reduziu a 7% no quarto trimestre de 2021, a menor em mais de cinco anos. A melhora do desemprego não se produziu pelo efeito desalento dos que procuram emprego e não o encontram, mas pela genuína criação de empregos.
Esta forte melhora registrada ao longo de 2021 foi possível graças à mitigação de danos que se fez em 2020, mas também graças ao notório avanço da campanha de vacinação (que na Argentina alcançou níveis muito elevados para a média mundial, com mais de 90% com uma dose e mais de 80% com esquema completo), e ao forte peso que adquiriram as políticas de desenvolvimento produtivo dentro da agenda governamental.
Os recursos orçamentários destinados às políticas de desenvolvimento produtivo tiveram um salto notável desde 2019, passando de 155 milhões de dólares desse ano a 1,443 bilhões de dólares em 2021.
Os recursos orçamentários destinados às políticas de desenvolvimento produtivo tiveram um salto notável desde 2019, passando de $7,519 bilhões nesse ano (uns 155 milhões de dólares desse ano) a $134,975 bilhões em 2021 (uns 1,443 bilhões de dólares). Esse notável incremento dos recursos permitiu recuperar instrumentos cruciais da política produtiva, como o financiamento accessível ao setor produtivo. Para isso, se potenciaram duas ferramentas cruciais: o Fundo de Garantias (o FOGAR) e o Fundo de Desenvolvimento Produtivo (FONDEP). Enquanto o primeiro permite que o Estado oficie como garantia diante dos bancos para que uma PME possa aceder ao crédito (algo relativamente difícil na Argentina), o segundo é fundamental para poder subsidiar linhas de crédito para o investimento de longo prazo. Graças a estas ferramentas, em 2020-2022 se outorgaram créditos a mais de um milhão de pessoas físicas e jurídicas, 250 vezes mais que em 2019. Graças a estas ferramentas, o crédito em valores constantes alcançou no final de 2021 o maior nível desde o ano 2018, e a participação das PMEs no crédito em moeda local superou 50%, a maior marca durante o século XXI.
Além da recuperação do crédito produtivo, a política industrial teve outras ferramentas, entre as quais se destacam o financiamento para os parques industriais e tecnológicos (uma ferramenta de planejamento territorial que além disso é importante para o desenvolvimento produtivo em um país com grandes assimetrias regionais como a Argentina), o impulso ao desenvolvimento de provedores (através do financiamento a empresas que apresentem projetos de investimento para ser provedoras de certas cadeias estratégicas, tais como energia, mineração, transporte ou saúde, entre outras), o fomento à economia do conhecimento (através da sanção de uma nova lei de promoção para o setor, que inclui os serviços informáticos, de P+D, a nano e biotecnologia, a indústria de satélites e aeroespacial, entre outras), a formação da população em pensamento computacional (através do curso gratuito Argentina Programa para aprender a programar, que contou com um interesse inédito da população, com mais de 700.000 inscritos na instancia inicial) e a redução dos impostos para exportação nos bens manufaturados finais (que chegaram a 0%). Os resultados da implementação destas políticas mostraram seus frutos: em 2021, a indústria manufatureira cresceu 7% em comparação com 2019, sendo uma das recuperações mais velozes do mundo. Entretanto, a economia do conhecimento não parou de bater recordes mês a mês: seu principal motor, o software, incrementou em 19% sua dotação de trabalhadores e trabalhadoras formais entre o final de 2019 e o final de 2021.
Mas além da administração das vicissitudes da conjuntura —muito marcada pelo dano da pandemia—, o atual gerenciamento dedicou um grande esforço em pensar no futuro do país, abrindo-se a novas agendas e à planificação para o resto da década. Pela primeira vez na Argentina, as dimensões ambiental e de gênero passaram a ser eixos estruturantes do gerenciamento das políticas produtivas. Em julho de 2021, foi lançado o Plano de Desenvolvimento Produtivo Verde, que consta de uma série de ferramentas para posicionar a Argentina como um jogador ativo na transição energética global, ao incentivar a economia do hidrogênio baixo em carbono e o desenvolvimento de provedores das energias limpas. Também, desde o ano de 2020, formou-se um Gabinete de Gênero dentro do Ministério de Desenvolvimento Produtivo, com mais de 50 iniciativas com perspectivas de gênero, como por exemplo diversas linhas de financiamento para projetos produtivos liderados por mulheres. Da mesma forma, trabalhou-se na elaboração de projetos normativos para a criação de novos setores produtivos na Argentina, tais como o cannabis medicinal, a mobilidade elétrica e a indústria 4.0, todos com um enorme futuro.
Ao Plano Argentina Produtiva 2030 procura planejar o desenvolvimento produtivo, industrial e tecnológico para o tempo que sobra na década.
Recentemente, em março de 2022, foi dado início ao Plano Argentina Produtiva 2030, que procura planejar o desenvolvimento produtivo, industrial e tecnológico para o tempo que sobra na década. O Plano assume a ideia de “políticas orientadas por missões” —elaborada pela economista ítalo norte-americana Mariana Mazzucato e hoje muito em voga em diversas partes do mundo— e propõe mobilizar o aparelho produtivo, científico e tecnológico para resolver desafios econômicos, sociais, tecnológicos e ambientais do século XXI, que vão desde o aquecimento global à saúde da população, passando pela digitalização, o emprego formal e a geração de divisas.
Uma dessas dez missões será a duplicação das exportações a 2030. As exportações são a principal fonte de divisas genuína em uma economia como a argentina, onde quase todas as crises econômicas das últimas oito décadas aconteceram por problemas na balança de pagamentos.
Outra missão será o desenvolvimento da economia verde para acelerar a transição na direção da sustentabilidade ambiental, ampliando e reforçando o Plano de Desenvolvimento Produtivo Verde, através do impulso crescente à economia do hidrogênio, os provedores industriais nacionais das energias limpas, a eficiência energética, a economia circular e a fabricação nacional de veículos elétricos.
Outras missões se concentrarão no impulso à produção nacional para a saúde (vacinas, testes clínicos, cannabis medicinal, equipamento médico, biossimilares, telemedicina), na adaptação da produção de alimentos ao século XXI (a partir de que nossa agropecuária se volte mais resiliente diante da mudança climática e a partir de uma maior produção de proteínas e alimentos saudáveis), no equipamento de nossas forças armadas com tecnologias nacionais (drones, navios, satélites e peças de segurança, por exemplo) e na modernização de nossos setores industriais tradicionais (para incentivar uma maior produtividade e uma maior criação de emprego com carteira profissional).
A Argentina vem experimentando um crescente dinamismo investidor na mineração, particularmente no que concerne ao lítio e ao cobre
O Plano Produtivo também terá uma missão específica para incentivar a digitalização do aparelho produtivo e da indústria 4.0. O desenvolvimento da mineração, com estritos cuidados ambientais, é outra das dez missões que impulsa o Plano. A mineração é uma atividade muito subaproveitada na Argentina (com exportações que não chegam a ser a décima parte das do Chile, com quem a Argentina compartilhe a Cordilheira dos Andes) e que vai a ter uma demanda crescente considerando que a transição energética demandará cada vez mais minerais. A Argentina vem experimentando um crescente dinamismo investidor na mineração, particularmente no que concerne ao lítio e ao cobre. A industrialização de nosso setor primário também será considerada estratégica, a partir do desenvolvimento de provedores industriais na mineração, os hidrocarbonetos, a pesca, a agropecuária e o setor florestal. Desta maneira, se aposta por incrementar o emprego indireto, o desenvolvimento tecnológico e a geração de divisas ligadas a nossas atividades primárias, que além disso são fundamentais para descentralizar a atividade produtiva, hoje muito concentrada na região metropolitana de Buenos Aires.
A Argentina está saindo da crise da pandemia e, também, da que deixou o governo que nos antecedeu. E, para isso, a chave é pensar e planejar o futuro a longo prazo. Por isso o Plano Argentina Produtiva 2030. Porque queremos uma Argentina desenvolvida e com progresso para cada um de seus habitantes, ano após ano. Porque queremos uma Argentina integrada inteligentemente ao mundo, que possa aproveitar as novas oportunidades derivadas dos desafios globais do século XXI: mudança climática, economia do conhecimento, crescimento das classes médias emergentes. A Argentina tem um enorme potencial e somos muito otimistas de que nos anos que estão chegando começará a materializar-se, com resultados visíveis para cada uma e cada um dos habitantes deste país.