América Latina em um mundo pós-covid
A América Latina foi uma das regiões mais afetadas pela pandemia. Em termos de salubridade, a região acumula o maior número de mortes associados à Covid-19, com o Peru encabeçando a infortunada lista a nível global com uma taxa próxima a 6.400 mortes por milhão de habitantes. Em matéria econômica, a América Latina também foi a região que saiu pior no final ao registrar uma queda da atividade econômica de 6,9% em 2020. As medidas não farmacológicas implementadas para combater a pandemia, como quarentenas e restrições à mobilidade, tiveram um efeito devastador na economia da região caracterizada por uma alta informalidade trabalhista e uma rede de proteção social
insuficiente.
O Chile e a Colômbia alcançaram no final de 2021 níveis de atividade econômica superior aos da pré pandemia em 4,9% e 2,8%, respectivamente.
A região experimentou uma importante recuperação econômica em 2021 em função das campanhas de vacinação em diferentes países que permitiram retomar níveis de atividade similares aos de pré-pandemia em alguns setores. Não obstante, a normalização da atividade econômica dista de ser completa e há uma importante heterogeneidade entre países. O Chile e a Colômbia, por exemplo, alcançaram no final de 2021 níveis de atividade econômica superior aos da pré pandemia em 4,9% e 2,8%, respectivamente. Já o Peru e o Brasil exibem uma taxa de recuperação ligeiramente positiva com uma taxa bianual em 2021 comparada a 2019 de 0,9% e 0,6%, respectivamente. O México, o Peru, a Bolívia e a Argentina todavia se encontram com níveis de produção inferiores aos da pré-pandemia.
Neste contexto, e sob o pressuposto de que a pandemia já iniciou sua transição a endemia, a América Latina enfrenta um número importante de desafios no mundo pós-covid. O mais urgente tem a ver com o aumento acelerado dos preços aos consumidores. De acordo com as pesquisas mais recentes, os analistas econômicos esperam uma inflação para a América Latina de 7,8% para o final deste ano, um aumento significativo frente à cifra de 3,5% pré-pandemia. Esse aumento da inflação, que inicialmente teve origem em um desbalanço entre oferta e demanda global, mas agora se exacerbou pelo conflito bélico na Europa, poderia colocar em risco a recuperação econômica da região e ampliar a pobreza.
Os analistas econômicos esperam uma inflação para a América Latina de 7,8% para o final deste ano, um aumento significativo frente à cifra de 3,5% pré-pandemia
O choque nas matérias primas e energéticas associado ao conflito na Ucrânia está elevando de maneira importante os preços dos alimentos, que são os que mais pesam na cesta básica dos lares mais vulneráveis. A região teve um retrocesso importante na luta contra a pobreza devido à crise econômica em 2021 com um aumento de 30 milhões de pessoas que vivem com baixa renda e uma taxa de pobreza extrema que depois de alcançar níveis mínimos de 8,7% em 2010 retrocedeu a níveis de 13,8%.
O aumento da inflação a nível global e o subsequente aumento de taxas de interesse em muitas jurisdições, gerarão uma pressão adicional nas contas fiscais dos governos da região, que também sofreram um revés importante durante a pandemia devido a maiores necessidades de gasto público e uma menor arrecadação. Com um menor espaço fiscal, os governos da região terão que fortalecer suas receitas tributárias sem afetar a recuperação econômica mediante impostos progressivos, e aproveitar o auge associado aos maiores preços das matérias primas exportadas. Os
maiores preços do petróleo e do cobre podem ajudar a estabilizar as contas fiscais da região e a sustentabilidade dos programas sociais se são aproveitados de maneira eficiente.
A região também deve melhorar seus ajustes institucionais em relação às associações público-privadas para continuar com os programas de investimento público em um contexto de recursos limitados. O caso de sucesso em matéria de associações público-privadas no setor de infraestrutura da Colômbia deve ser um modelo que pode e deve ampliar-se a outras dimensões e países. Isto poderia reduzir os custos logísticos e melhorar a eficiência em matéria de transporte, armazenamento e distribuição de bens. Políticas focadas nesses aspectos podem ser instrumentais para ter ganhos de eficiência que permitam amortecer a pressão inflacionária associada ao maior custo dos insumos, em particular se focarem no setor agrícola.
Na mesma linha, gerar um ambiente regulatório apropriado que incentive a inovação e a transformação digital dever ser uma prioridade no atual contexto para que a região siga melhorando em matéria de inclusão digital e financeira, e, desta maneira, avançar em matéria de aprofundamento financeiro para que as famílias tenham mais ferramentas na hora de suavizar choques adversos a suas receitas como consequência do aumento dos preços aos consumidores.
Finalmente, nesta conjuntura desafiadora, a região deve procurar fortalecer suas redes de proteção social com programas que sejam efetivos na proteção dos mais vulneráveis e, ao mesmo tempo, gerem os incentivos à inserção de tais lares à formalidade mediante uma melhora dos programas de transferências condicionadas que contemplem incentivos à acumulação de capital humano.