As infraestruturas, o grande desafio regional
A América Latina tem uma importante matéria pendente para poder se transformar em um dos novos eixos do poder mundial: as infraestruturas. Embora durante os últimos 12 anos estejam em andamento muitas obras na área do transporte, a Região está longe de ter uma rede logística que lhe permita aproveitar o potencial econômico que desenvolveu e o empurrão que espera do comércio com a Ásia, que cresce a uma taxa média de 20% desde 2000.
Nos primeiros dez anos do novo milênio, todos os países se beneficiaram, em maior ou menor medida, com a venda de matérias-primas ao Oriente e nenhum se sentiu pressionado para voltar-se aos mercados emergentes até que eclodiu a crise no Ocidente em 2008. Mas agora, nesta segunda década, está sendo produzido um desdobramento dos países latino-americanos com relação à sua relação com a Ásia.
O Chile, o Peru, a Colômbia, o México e o Panamá estão tecendo fortes laços para estimular o comércio com a Ásia. Enquanto isso, a Argentina, a Venezuela, a Bolívia e o Equador, mais protecionistas e com políticas de corte mais nacionalistas, correm o risco de ficar para trás tanto nas interações com o Oriente como nas intrarregionais. O Brasil se movimenta entre duas águas: impõe barreiras para proteger-se da concorrência industrial chinesa e, ao mesmo tempo, busca caminhos de acesso ao Pacífico.
O Brasil se movimenta entre duas águas: impõe barreiras para proteger-se da concorrência industrial chinesa e, ao mesmo tempo, busca caminhos de acesso ao oceano Pacífico
A batalha por aumentar as vendas à Ásia, oferecer a médio e longo prazo produtos de valor agregado e, principalmente, captar os créditos chineses para construir infraestruturas, será determinante para manter os altos níveis de crescimento vistos nos últimos anos na América Latina. Os bancos chineses já emprestaram mais de 75 bilhões de dólares à Região, mais que muitas instituições financeiras tradicionais de crédito. A Colômbia, por exemplo, prevê receber da china quase 8 bilhões para construir uma rede de ferrovias e rodovias para competir com o Canal do Panamá através da ligação de suas costas do Caribe e do Pacífico.
A tarefa de interligar a Região é titânica. O Cone Sul latino-americano esteve dando as costas praticamente desde que as grandes guerras de conquista territorial do final do século XIX (a da Triple Aliança e a do Pacífico) enterraram os ideais bolivarianos de integração regional. Durante o século XX, as guerras civis e as diferentes hipóteses de conflito militar entre alguns países (a Argentina com o Chile e o Brasil, o Peru com o Equador, a Colômbia com a Venezuela), algumas enquistadas e outras convenientemente provocadas em diferentes épocas, mantiveram a Região desunida. As tentativas de integração econômica, desde a ALALC nos anos 60 até a CAM ou o MERCOSUL, não deram bons resultados.
Finalmente, foi em 2000, em Brasília, e por solicitação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando as grandes economias sul-americanas aprovaram o projeto de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), o mais ambicioso plano para a execução de obras e reformas legislativas necessárias para facilitar a comunicação e o comércio regional. O programa tem três objetivos: integrar os mercados, abrir caminhos para propiciar competitividade à escala mundial e, principalmente, reduzir os custos logísticos. Não menos ambicioso, porém mais tardio, é o Projeto Mesoamérica para modernizar o corredor rodoviário do pacífico, que começou a ser executado em 2008 pelo México e os países centro-americanos.
O projeto IIRSA estabeleceu dez eixos de integração que interligam dezenas de rios e rodovias. No total, cinco unem os oceanos Atlântico e Pacífico, de norte a sul do continente, e outros quatro têm os caminhos abertos através da zona amazônica. Embora originalmente tenham sido aprovados 335 projetos, com um custo de 37.5 bilhões de dólares, em 2004 os 12 países participantes identificaram 31 obras prioritárias para a Região (28 na área de transportes). No final de 2010, tinham sido finalizados duas e outras 19 estavam em execução, segundo o último relatório dos gestores de IIRSA.
A batalha por aumentar as vendas à Ásia, oferecer produtos de valor agregado e captar os créditos chineses para construir infraestruturas será determinante para manter os altos níveis de crescimento
A primeira dessas obras, tão simbólica quanto significativa, foi finalizada pelo Brasil. Foi a ponte sobre o rio Acre, seiva de um território fronteiriço com o Peru, ganhado da Bolívia em uma guerra que acabou em 1903. Foi a pedra angular da rodovia interoceânica que une Lima a São Paulo, a primeira grande estrada internacional pavimentada entre o Atlântico e o Pacífico na história da América Latina e símbolo do poder econômico peruano e brasileiro. A segunda passagem em andamento entre ambos os oceanos une o litoral norte peruano à cidade brasileira de Manaus, uma das áreas com maior projeção industrial e tecnológica. O Brasil precisa chegar aos portos peruanos e chilenos para evitar as vias marítimas através do canal panamenho e do cabo de Hornos, muito longas e caras. O gigante sul-americano desconfia do mercado asiático, mas sabe que o futuro está ali.