Empresa F.C.
Michael Jordan não gostava da Nike. Ele preferia a Converse ou a Adidas. Sempre tinha utilizado tênis dessas duas marcas, afinal, a empresa de Portland não tinha tradição no mundo do basquete. Mesmo assim aceitou visitar a sua sede central para ver a apresentação da proposta, que incluiu um vídeo e a exibição do conceito “Air Jordan”. Os protótipos que lhe foram apresentados eram todos em preto e vermelho. Em 1984, os jogadores da NBA só usavam calçados esportivos brancos e, seja por isso ou porque sinceramente não gostou, a questão é que Michel disse que as aquelas eram as cores do diabo. Dias mais tarde assinou um contrato que duraria 30 anos e que representaria uma marca considerável na história do patrocínio esportivo.
O esporte é emoção. Poucas atividades têm uma relação tão clara com esse grande motor da nossa participação social. A cada dia, milhões de pessoas se reúnem, seja para praticá-lo, segui-lo ou comentá-lo. Nós, cidadãos, sabemos disso e as empresas também. É um lugar comum que visitamos frequentemente nas nossas conversas.
O esporte também personifica uma série de valores com os quais muitas empresas se identificam: competitividade, honestidade, esforço, superação, trabalho em equipe ou a relação com a saúde são alguns exemplos
Mas o esporte também representa/incorpora uma série de valores com os quais muitas companhias também se identificam: competitividade, honestidade, esforço, superação, trabalho em equipe ou a relação com a saúde são alguns exemplos. Parece não haver contraindicações.
Por isso, desde o século XIX vem sendo estabelecida uma relação de simbiose entre o mundo esportivo e o empresarial. Em 1852, uma companhia ferroviária contratou uma regata entre Yele e Harvard, fato que passou para a história como a primeira relação esporte-empresa promovida pelo marketing. Outros momentos marcantes foram a publicidade da Coca-Cola e da Kodak na Olimpíada de 1896, as campanhas da marca de cereais, com seu slogan “O Café da Manhã dos Campeões”, nos anos trinta, ou o primeiro contrato de um milhão de dólares assinado entre um atleta e um anunciante, protagonizado por Dom Carter, o místico jogador de boliche norte-americano.
UMA MOEDA QUE TAMBÉM TEM
DUAS FACES
O caso de Jordan também estabelece um antes e um depois nessa corrida. O investimento em marketing esportivo tinha sido incrementado ao longo dos anos cinquenta e sessenta, mas foi a partir de 1970 que disparou. A tendência surgiu no caso de uma empresa em queda, que necessitava de uma mudança para voltar a se destacar no mercado, um exemplo perfeito para demonstrar o quão rentável podia chegar a ser. A Nike atravessava maus momentos e soube ver no novato dinâmico, potente e espetacular, a peça que transformaria a sua organização. Uma década mais tarde, a parceria mostraria enormes frutos para o fabricante de material esportivo, alcançando uma posição invejada por todos.
A regra mais importante de todas é que temos que nos aproximar ao esporte com uma intenção de longo prazo
Como revés da moeda, o caso de Tiger Woods significou outro marco duplo: Um, marcado pelos incríveis números, e o outro, pela crise gerada quando foram descobertos os escândalos do golfista. A própria Nike se viu desafiada pela estratégia que um dia a catapultou. A questão se transformou em um perfeito exemplo para explicar que, embora o esporte não tenha contraindicações, é certo que pode levar a certos riscos que é bom assumir. Para minimizá-los, é prudente conhecer e respeitar certas regras básicas.
Regra 1: O Esporte é um investimento de longo prazo
A regra mais importante de todas é que temos que nos aproximar ao esporte com uma intenção de longo prazo. Fazê-lo de forma conjuntural não recompensa. O investimento pode ser dispendioso e o retorno muito passageiro. O ecossistema formado por atletas, clubes, treinadores, jornalista, competições, juízes, categorias, federação, meios de comunicação, transforma-se em um ambiente complexo. Para aproveitá-lo ao máximo é necessário contar com experiências, convivência e respeito. Esses três quesitos podem ocorrer ao longo do tempo.
Quando esses três elementos orientam as relações, o vínculo que se cria é mais sólido, resultando em um maior conhecimento e uma melhor valorização das marcas. Influenciam essas duas variáveis que permitem definir a reputação de qualquer organização ou pessoa.
A nossa associação com o esporte causa um impacto tão grande na notoriedade da nossa marca (pela propagação que faz da sua promessa de valor) quanto na sua visibilidade; é nessa última etapa que acontece a assimilação dos valores que representam os atletas, os clubes ou as competições. Isso é um processo lento. É inútil tentar acelerar esse processo por meio de um investimento pontual de incremento da popularidade, por mais elevado que seja.
Regra 2: Cada projeto exige uma resposta imediata
Não todos os esportes ou personagens se prestam para qualquer projeto. Assim também ocorre com estrelas individuais das equipes, todos se diferenciam por uma característica particular. Para ser um vencedor, é necessário ter uma personalidade capaz de se confrontar com a honestidade. Essa personalidade lhes confere uma forma de ser e de competir exclusiva. Esse atleta necessita de um tratamento diferenciado. O público reage de forma completamente diferente com cada personagem. E também aceita de forma diferente as propostas de um e de outros.
As relações estáveis e duradouras apenas se conseguem selecionando bem os companheiros de viagem. Tem que haver uma evidente compatibilidade de caracteres. Isso, em certas ocasiões, pode representar um problema, porque o clube da moda ou a competição preferida das crianças, para nossa frustração, tem pouco ou nada a ver com a cultura da nossa organização.
Regra 3: Deve haver uma proporção entre a popularidade de ambas as marcas
É necessário analisar cuidadosamente se o grau de reconhecimento público do ambiente esportivo com o qual vamos nos relacionar é favorável à presença da nossa companhia, e se transmite veracidade. Habitualmente levamos em consideração que um dos aspectos que nos interessa nas atividades esportivas é a expectativa que geram.
Mas também devemos fazer o necessário para essa expectativa não cubra o nome que desejamos destacar. Às vezes não se cuida suficientemente desse equilíbrio. Na confusão dos meios, sejam de massa ou dirigidos a comunidades específicas, a nossa imagem pode chegar a se diluir até não gerar créditos.
Todos gostam da elite, porém, não devemos nos confundir. Um bom movimento para a nossa reputação consiste em identificar o nível adequado de visibilidade. É crucial determinar o nicho apropriado para a nossa estratégia. O retorno, ocasionalmente, chega pela soma das minorias e não tanto pela audiência massiva clássica.
Regra 4: O investimento deve contemplar todos os conceitos
Nessa linha, para tirar o máximo de proveito devemos prever uma adequada distribuição do orçamento. O investimento tem que contemplar parcelas não apenas para a nossa vinculação direta, mas também para que disponhamos de recursos dirigidos a comunicar a nossa decisão ao longo do tempo. O sucesso de várias campanhas tem se baseado em elaborá-las de tal forma que possam gerar, em primeiro lugar, conteúdos de qualidade e, em segundo, oportunidades de difusão por meio dos diferentes canais que estão à nossa disposição.
A capacidade de chegar a determinadas comunidades que a internet nos oferece atualmente também está transformando a forma como nos aproximamos dos meios de comunicação em geral. Sabendo que o esporte é um agente poderoso de paixões, a segmentação de públicos necessita classificá-los em função do investimento que esse público, stakeholders que são o nosso negócio e da marca esportiva, está disposto a fazer para continuar em contato com seus ídolos.
Atingir os espaços em que esse contato se produz é chave para que o esporte nos ajude a gerir as expectativas das nossas comunidades de interesse e, consequentemente, dos seus líderes e mobilizadores.
UM AMPLO LEQUE DE OPÇÕES PARA
SE RELACIONAR COM O ESPORTE
Atualmente, abre-se um amplo leque de opções quando se trata de estabelecer associações bidirecionais produtivas com o mundo do esporte. Essas associações surgem em grande parte pelo rico ecossistema que se transforma ao redor das estruturas e dos protagonistas: Podemos nos associar com um atleta, com muitos atletas, com um clube, com as organizações de fãs, com uma competição, com uma instituição federativa, com as categorias de base, com um esporte específico, com um evento, com uma conquista, com um meio de comunicação, etc.
O leque de opções também é incrementado pelo tipo de associação que pode ser estabelecida. Essas associações vão, desde o patrocínio até a publicidade nos locais onde se desenvolve a competição, passando pela inclusão de um atleta na publicidade comercial, a elaboração de merchandising ou o suporte às redes sociais de fãs. É importante considerar que essas ações se relacionam com a contribuição sócio-emocional que as empresas fazem no seu ambiente imediato. Essa contribuição está mais integrada com as políticas de sustentabilidade e o seu rendimento se estabelece na medida em que os stakeholders possam contrastar o seu aporte de forma tangível. Dentro desse contexto, o fato de as ações serem coerentes com o relato da Companhia passa a ser determinante para analisar o seu retorno.
O contraste entre aquilo que falamos, que fazemos e o que somos, certifica a nossa reputação. O esporte tem a enorme vantagem de contribuir na melhoria dos três aspectos
Outro fator que está ampliando a quantidade de possibilidades vem sendo provocado pela crise econômica. O mundo do esporte necessita de recursos econômicos numa época em que estes são escassos. O investimento privado passa a ser a principal alternativa e passa a ser explorada por uma via de colaboração que até hoje parecia impossível: Entre outras, cabe destacar exclusividades, mudanças de nomenclatura, contribuições variáveis, intercâmbios de serviços ou níveis mais altos de compromisso por parte dos atletas na vida corporativa das empresas.
A SIMBIOSE É POSSÍVEL E TAMBÉM
RENTÁVEL PARA A NOSSA REPUTAÇÃO
A simbiose é um fenômeno de adaptação ao meio. Dois organismos de natureza diferente colaboram entre si para tirar proveito que justifica o esforço individual da convivência. Nós, como empresas e organizações, sabemos que nos associar ao esporte apresenta vários benefícios, mas às vezes, devido à confusão dos meios, não percebemos que esses benefícios são notados, em primeiro lugar, na nossa forma de ser e de fazer, e depois na forma como o transmitimos a quem interessa.
Manter uma acertada e longa relação com esse ecossistema fortalece e transforma a nossa cultura empresarial. Ensina a competir (a nos esforçar, a treinar, a nos adaptar e nos medir), nós, como empresas, nos contagiamos da sua paixão (nos transformamos em fãs para ganhar adeptos para a nossa causa) e nos ajuda a dar o passo da teoria à prática nesse enorme espaço que se abre frequentemente entre a estratégia e a atividade diária; os atletas executam e, portanto, validam projetos que é necessário corrigir em milésimos de segundo. Oferecem centenas de imagens a título de referência que, quando vistas de perto –no paddock, no vestiário ou no campo– ilustram bem mais do que muitos cursos de gestão.
O contraste entre aquilo que falamos, que fazemos e o que somos, certifica a nossa reputação. O esporte tem a enorme vantagem de contribuir na melhoria dos três aspectos.
Peter Moore, Diretor de Design da Nike em 1984 já sabia disso. Assim como os seus colegas, sabia que a transação com Michel Jordan não consistia apenas em maquiagem e brilho aparente. Eles tinham a convicção de que aquilo que ofereciam era uma verdadeira proposta de negócios. Queriam que Jordan fosse seu sócio. Queriam que o Jumpman estivesse na sua equipe. Por isso, na sua visita a Portland, colocaram todas as cartas sobre a mesa: aquele vídeo mostrava vários momentos da vida daquele que, mais tarde, passou a ser considerado um dos melhores atletas de toda a história. Moore e seus colegas recorrerem à própria essência do esporte. Tocaram na sua fibra porque, em definitiva, a empresa também é emoção.