UNO Julho 2017

As relações entre os Estados Unidos e a República Dominicana na Era Trump

Vivemos tempos turbulentos. Não muito diferentes daqueles em que se viveu entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Antonio Gramsci, intelectual italiano preso por Mussolini, em 1929, resumiu bem em sua obra Cadernos do Cárcere [Prison Notebooks][1]:”O velho mundo está morrendo e o novo, lutando para nascer. E é nessa penumbra que surgem os monstros“.

 

O velho mundo fazia referência aos impérios decadentes da Europa e o novo mundo consistia em uma caótica luta entre as visões opostas das distintas formas de estado em ascensão: o fascismo, o comunismo e o capitalismo liberal democrático. A luta entre estas facções resultou na derrota do fascismo na Segunda Guerra Mundial. Após a Guerra Fria e o desmoronamento da União Soviética, em 1991, o comunismo acabou e o processo culminou com a adesão da República Popular da China à Organização Mundial do Comércio, em 2001. As democracias liberais, lideradas pelos Estados Unidos e impulsionadas pelas economias de mercado, cresceram com a vitória e presidiram um sistema baseado nas normas das instituições internacionais. Um final feliz. Ou, pelo menos, pensávamos que sim…

 

Desde a crise financeira de 2008, o medo cada vez maior diante da vulnerabilidade econômica e a sensação de que a própria identidade cultural está ameaçada deram lugar a movimentos populistas e nacionalistas, particularmente nos países mais desenvolvidos da Europa e nos Estados Estados, nos quais a globalização e os regimes de imigração liberais estão cada vez mais avançados.

 

Donald Trump, portanto, se aproveitou deste crescente temor econômico e intranquilidade cultural. Sua retórica é extremista em várias ocasiões e, muitas vezes, contraditória, mas conseguiu alcançar uma vitória histórica. O que se está por assistir é que tipos de políticas específicas este irá apresentar e quais conseguirá aprovar em um Congresso cada vez mais polarizado.

 

O que nos resta é conferir quais políticas específicas ele apresentará e o que ele conseguirá realizar em um Congresso cada vez mais polarizado.

 

A equipe da segurança nacional de Trump é competente e tem experiência. O tabuleiro que estes herdaram inclui uma massa euroasiática muito convulsa, que vai de um extremo a outro. De fato, um dos poucos lugares com relativa estabilidade e crescimento são a América Latina e o Caribe. A equipe de segurança nacional de Trump vai estar muito ocupada gerindo crises em outras partes do mundo em um futuro próximo, posto que entendem que a capacidade dos Estados Unidos de projetar sua força, em nível global, está na sua capacidade de manter a estabilidade no hemisfério ocidental. A ameaça mais grave ao interesse nacional dos EUA na região provém de um estado cuja costa se encontra próxima e cujo desmoronamento poderia provocar uma crise de refugiados de grandes proporções. Além desta dita contingência, o mais provável, para o bem ou para o mal, é que a administração foque em outros lugares.

 

Com relação ao comércio, a diferença entre o discurso da campanha e a política real é bastante ampla. Embora o presidente Trump tenha retirado os Estados Unidos do Acordo Transpacífico (TPP, em sua sigla em Inglês) como uma de suas primeiras ações executivas, a realidade é que teria sido muito difícil ratificar o TPP no Congresso. O principal tema da campanha em relação ao comércio foi a “anulação” do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e a renegociação de um acordo bilateral mais favorável com o México e o Canadá.

 

Em 18 de maio, Robert Lighthizer, recém-nomeado Representante Comercial dos EUA, notificou formalmente o Congresso sobre a intenção da administração de renegociar o NAFTA, dando início, assim, a um período de consulta parlamentar de 90 dias. Lighthizer declarou que esperava que as negociações pudessem ser realizadas de modo trilateral, embora alguns temas específicos pudessem ser discutidos de forma bilateral. Também afirmou que o NAFTA havia favorecido muitos setores dos EUA, incluindo o da agricultura, o de investimento e o da energia. O principal problema teria sido a perda de postos de trabalho no setor de fabricação.

 

A administração ainda não anunciou os objetivos específicos a serem perseguidos na negociação do NAFTA, mas adiantou que: “buscará novas disposições relativas aos direitos da propriedade intelectual, práticas regulatórias, empresas estatais, serviços, procedimentos aduaneiros, medidas sanitárias e fitossanitárias, mão de obra, ambientais e ligadas às PME’s”. Esta mensagem é muito mais fria do que o discurso da campanha.

 

A administração pretende revisar toda a Administração Federal do Transporte (FTA, em sua sigla em inglês), mas não está claro quais métricas deverá empregar. O mais provável é que a principal métrica seja a balança comercial e, de acordo com esse critério, o mais provável é que a República Dominicana e a América Central o cumpram, uma vez que os EUA contam com um superávit comercial com estes países. Espera-se uma revisão e um reforço dos direitos da propriedade intelectual e dos capítulos relacionados à mão de obra e ao meio ambiente, para que estes se ajustem às FTA’s mais atuais, e que se anexe um capítulo relativo ao comércio digital e eletrônico. No geral, não esperamos mudanças relevantes aos elementos base do Tratado de Livre Comércio entre os EUA, a América Central e a República Dominicana (DR-CAFTA, em sua sigla em Inglês).

 

Para a República Dominicana, o principal risco no que diz respeito ao comércio não tem nada a ver com o acordo comercial, mas com a reforma fiscal. Como parte da proposta de reforma fiscal que vem sendo estudada no Congresso, o presidente Ryan tem apresentado o conceito de imposto de ajuste fronteiriço (BAT, em sua sigla em inglês) para ajudar a pagar deduções de tipos de impostos marginais sobre empresas e pessoas físicas. Um imposto como o BAT seria extremamente prejudicial para a cadeia de abastecimento dos EUA, para a República Dominicana e para as exportações de manufaturas. Embora as perspectivas do BAT diminuam à medida que se vai compreendendo, deve-se acompanhar de perto.

 

Para a República Dominicana, o maior risco de declínio financeiro não está relacionado ao acordo comercial, mas sim à reforma tributária.

 

É inevitável que a reforma fiscal dos EUA sobre os tipos societários marginais, bem como os impostos sobre os benefícios repatriados tenham um impacto sobre os fluxos de investimento. Em relação a isso, resulta importante que a República Dominicana revise suas políticas fiscais para assegurar-se que seguirá sendo competitiva e, assim, garantir a continuidade dos investimentos estrangeiros diretos. Se a República Dominicana puder fazê-lo ao mesmo tempo em que mantém os elementos base do DR-CAFTA, estará muito bem posicionada para atrair investimentos em operações regionais de logística e de produção..

[1] Gramsci Antonio. (1975). Prison Notebooks. New York: Columbia University Press.

William Malamud
Vice-Presidente executivo da Câmara Americana de Comércio da República Dominicana,
Da Câmara Americana de Comércio da República Dominicana, uma associação comercial do setor privado que representa 2 mil empresas na República Dominicana.  A AmchamDR conecta investidores, empresas membros ao trade e às oportunidades de investimento, defendendo políticas públicas favoráveis ao comércio, investimento, direitos de propriedade e estado de direito. É licenciado em Estudos Internacionais e Ciências Políticas pelo Dickinson College e tem um MBA Internacional pela Thunderbird School of International Management. [EUA]

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