Cuba, entre o passado e o futuro
Quando o avião presidencial de Barack Obama aterrissou no aeroporto de Havana em 21 de março, 2016, Cuba não era uma festa. A última visita de um presidente americano à ilha remonta a 1928, com John Calvin Coolidge. As autoridades cubanas estavam cientes de que Obama estava fazendo história – como Nixon, com sua abertura para a China, ou Reagan, com a queda do Muro de Berlim –, mas não o regime de Castro, que ainda mantendo sua identidade política, abria a porta, mais por necessidade do que por virtude, a um Estados Unidos cujo presidente desejava um marco decisivo que gravasse a fogo seu mandato nos livros da política externa de seu país. De maneira que Raúl Castro e seu governo impuseram instruções exigentes: Obama seria friamente recebido e não se mostraria adesão popular a sua pessoa nem seriam registradas grandes concentrações populares. E não houve, embora tenha sido possível captar um sentimento majoritário de conformidade e alívio com a nova política do presidente americano. Obama acrescentava, assim, à sua lista de sucessos internacionais – além da Conferência de Paris sobre as alterações climáticas, a assinatura de Acordo de Livre Comércio com a Ásia e o Acordo Nuclear com o Irã – a reabertura das relações diplomáticas com Cuba, o que implicava, entre outras consequências, a saída do país caribenho da sinistra lista de Estados facilitadores do terrorismo.
Alguns dias antes, a União Europeia deu o primeiro passo para promover a retomada ocidental ao regime de Castro. Em 11 de março, em Bruxelas, levantou o diálogo político com Cuba e restabeleceu as relações diplomáticas. Acabava ali a chamada “posição comum” que adiava – o governo espanhol patrocinou essa atitude – um novo e aberto relacionamento com a ilha até que não se constatasse, de maneira irrefutável, que seu governo havia democratizado o regime e respeitasse os direitos humanos. A “posição comum”, além disso, buscava – e conseguiu por quase duas décadas – evitar que os EUA fizessem uma política autônoma da União Europeia com e em Cuba. A UE dispunha de contundentes argumentos econômicos, além da pressão dos EUA para superar a “posição comum”: é o primeiro investidor estrangeiro na ilha, o segundo maior parceiro comercial depois da Venezuela, e um terço dos turistas que visitam o país é europeu. A Europa franqueava a Obama a implantação de todas as medidas de boa vizinhança com Raúl Castro e permitia que sua visita ao país ocorresse em um clima geral de reabertura, embora midiatizada pela manutenção do embargo norte-americano desde 1960 e pela ausência de transporte direto de passageiros e de mercadorias entre a ilha e o continente, assunto já canalizado de forma positiva tanto para o governo dos EUA como para Havana.
As autoridades cubanas estavam cientes de que Obama estava fazendo história – como Nixon, com sua abertura para a China, ou Reagan, com a queda do Muro de Berlim
Apesar da arrogância das autoridades cubanas – que certamente mantiveram a essência do regime castrista contra o vento e a maré –, a certeza do colapso econômico e, como consequência, de uma possível explosão corroeu sua determinação. Cuba está fora do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, no mesmo nível de isolamento registrado pela República Popular da Coreia. Sua situação era – e é, até agora – de estrangulamento político internacional. Ainda mais após o curso dos acontecimentos de outros países latino-americanos – como é o caso da Venezuela ou da Argentina – nos quais fica clara a recessão do populismo governante. Na contramão, Raúl Castro, com base no regime instaurado por seu irmão, Fidel, manteve-se completamente fora destes movimentos históricos. Com essas medidas, Cuba ficou entre um passado superado pela metade e um futuro a ser definido. Em outras palavras, se encontra em uma certa disrupção de sua trajetória em um presente instável e provisório, que começará a se resolver no Congresso do Partido Comunista de Cuba, a ser realizado em 2018, e em cujo âmbito se formalizará a aposentadoria política de Raúl Castro e a formação de uma nova liderança de Miguel Diaz-Canel Bermúdez, atual primeiro vice-presidente do país. Politicamente, tanto os EUA quanto a União Europeia optaram pelo que é chamado de “solução biológica”, que consistiria em forçar mudanças políticas estruturais – no sentido democrático – até os irmãos Castro, vencidos pela idade, serem substituídos por uma nova classe dirigente geracionalmente apartada das vicissitudes históricas que determinaram o regime comunista e a hostilidade mútua entre os EUA e Cuba. A “solução biológica”, no entanto, poderia ser plausível e até provável, mas não de todo segura. Daí muitos observadores céticos considerarem que a ilha será a “China do Caribe” por muitas décadas, até mesmo indefinidamente, se, ao levantar o veto econômico, não se conseguir fazer com Cuba o mesmo que Havana se opõe no regime democrático. Obama e a própria UE sabem bem que essa é a grande insuficiência da operação em Cuba e esperam que a suavização socioeconômica permeie a população, crie classes médias e profissionais, novos profissionais autônomos, mais fluxo turístico e, como resultado, uma transição natural em direção a um sistema democrático. É certo, porém, que, apesar da frustração da diáspora cubana nos Estados Unidos, os Castro terminarão seus dias na cama e em louvor na multidão.
A UE dispunha de contundentes argumentos econômicos, além da pressão dos EUA para superar a “posição comum”: é o primeiro investidor estrangeiro na ilha, o segundo maior parceiro comercial depois da Venezuela, e um terço dos turistas que visitam o país é europeu
A relevância de Cuba é geoestratégica e política. Ambas são determinadas por sua proximidade física da costa da Flórida. A ilha é como um enorme porta-aviões no Mar do Caribe que, sem prejudicar os Estados Unidos, lembra a Washington que existem alguns problemas sérios em seu tradicional backyard, que deixaram de ser para se tornar um espaço estratégico, com um olhar como o de Jano: para os oceanos Pacífico e Atlântico. Se não fosse por essa substancial importância geoestratégica, Cuba não teria sido o carro-chefe da política externa de Obama. Sua demografia é baixa (apenas 11 milhões de habitantes), seu crescimento é limitadíssimo, e os salários, além de escassos, estão firmemente controlados pelo Estado. A dívida cubana alcança 5% de seu PIB, as exportações para a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), uma alternativa à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), sofrem muito, e a infraestrutura hoteleira – decisiva para o turismo, que seria a primeira indústria nacional – requer um impulso decisivo, bem como outras infraestruturas (estradas, portos), a logística, a energia, a indústria agroalimentar e os serviços em geral. Há futuro, mas a revolução castrista instalada formalmente em primeiro de janeiro de 1959, politicamente isolada e economicamente bloqueada, não conseguiu tirar a população cubana do subdesenvolvimento nem reintegrar as liberdades tomadas pelos ditadores que precederam Fidel Castro.
Os Estados Unidos, como a União Europeia, optaram pelo que se denomina a “solução biológica”, que consistiria em forçar mudanças políticas estruturais – no sentido democrático – até os irmãos Castro, vencidos pela idade, serem substituídos por uma nova classe dirigente geracionalmente apartada das vicissitudes históricas que determinaram o regime comunista
Neste contexto, a Espanha ficou a meia distância: não foi dos primeiros países a colocar-se à frente da abertura (como fez a França, por exemplo), mas já em maio 2016, os ministros de Relações Exteriores e Cooperação e Desenvolvimento viajaram a Havana e, recebidos por Raúl Castro, estabeleceram um marco de relacionamento econômico favorável para Cuba e interessante para as empresas espanholas de hotelaria e infraestrutura (40% dos leitos de hotéis na ilha são ocupados por empresas espanholas). Em um futuro próximo, será necessária uma visita do rei e do presidente do governo espanhol para consagrar uma nova etapa de colaboração que ajude a exercer, com a ajuda de outros países, uma força de tração da República de Cuba, não apenas em direção ao bem-estar econômico, mas também rumo à transformação política. Consentir que estabeleça um sistema capitalista, no âmbito econômico, e autoritário pós-comunista do Caribe, a poucos passos dos Estados Unidos e com o panorama de instabilidade da América Latina, possibilidade muito real agora, introduz elementos de preocupação e deixa um gosto amargo – do ponto de vista democrático – sobre o alcance e as consequências da operação de reformulação das relações com Cuba, cujo passado está sendo superado, mas cujo futuro não termina de desapegar em um presente repleto de incertezas e medos. O objetivo seria coroar uma grande iniciativa histórica: ajudar Cuba no caminho de uma economia de mercado devidamente corrigida, incorporando maiores liberdades, que a insira, definitivamente, na comunidade internacional.