UNO Maio 2016

Cidadania Digital

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Os jovens não usam relógio nos pulsos porque consultam a hora em seus smartphones. Os jovens não compram jornal porque se informam por meio das redes sociais, as quais acessam, muito frequentemente, também via smartphone. Os jovens não pedem táxis para locomover-se porque utilizam APPs que lhes proporcionam transporte alternativo mais rápido e mais barato a partir de seus celulares. Os jovens não assistem à televisão porque preferem acompanhar programas por meio de um computador e distrair-se – e aprender – , conectando-se ao Youtube durante o horário nobre. Centenas de milhares de jovens não assistem às aulas porque estão online – a partir de suas casas, acessam as universidades digitais. Tampouco compram roupas em uma loja porque as selecionam a partir de um meio digital e as recebem onde desejarem. Do mesmo modo, não precisam dirigir-se a agências bancárias: todas as suas transações são digitais. E se informam sobre a previsão do tempo, sobre as cotações de ações na bolsa a partir de seu celular e smartphone. Além disso, se relacionam com seus amigos, separadamente ou em grupos, usando a engenhoca digital. E se deslocam de uma cidade a outra de forma colaborativa ativando o aplicativo correspondente.

Em um futuro imediato, haverá apenas um cidadão que vai adquirir a plena condição de seu status com a adesão à digitalização de sua vida em todos os níveis, profissional e trabalhista, inclusive

As novas gerações nasceram com uma virtualidade – contraditoriamente tangível – que é a tecnologia digital. Uma tecnologia que lhes empodera com possibilidades que revolucionaram o conceito de cidadania. Em um futuro imediato, haverá apenas um cidadão que vai adquirir a plena condição de seu status com a adesão à digitalização de sua vida em todos os níveis, profissional e trabalhista, inclusive. O fato é que sejam os jovens os que exteriorizam mais fortemente esses novos e já estabelecidos comportamentos digitais, este é um distintivo de gerações, mas é, acima de tudo, um anúncio do novo mundo que está chegando a uma velocidade vertiginosa. O analfabetismo digital é quase – ou já é – um flagelo de nosso tempo imediato, que trará consequências à economia digital, às aspirações do setor de serviços, mas, também, às da indústria. O presente avança invariavelmente à plenitude tecnológica, armado digitalmente, e quem pretender – pessoa ou entidade – escapar desse destino terá, irremediavelmente, perdido o pulso deste período histórico.

O grau de modernização conjunta de um país – de sua sociedade e de seu sistema produtivo – já é baseado em seu grau de digitalização. Sabíamos, há algum tempo, quando se falava em modernização de serviços – bancários e comércio, especificamente –, mas a digitalização foi naturalizada na indústria. Esse assunto foi tema central do Fórum Econômico Mundial de Davos, realizado em janeiro passado. E tem sido chamada de “a quarta revolução industrial”, após a primeira, de mecanização, a segunda, da eletricidade, e a terceira, das tecnologias da informação, conforme classificado pelo jornalista e analista político Andrés Ortega (semanal Ahora 18-25 dezembro de 2015).

Duas grandes comunidades sociais são confrontadas pela digitalização: a educacional e a empresarial. Ambos são motores de ponta e desenvolvimento posterior dos países que pretendem acomodar seu futuro a parâmetros de conforto e eficiência

Duas grandes comunidades sociais são confrontadas pela digitalização: a educacional e a empresarial. Ambos são motores de ponta e desenvolvimento posterior dos países que pretendem acomodar seu futuro a parâmetros de conforto e eficiência. Na Europa, como é comum ao longo dos últimos três séculos, o norte optou pelo conhecimento, em vantagem sobre o sul. Uma autêntica inundação de estatísticas e estudos revelam que, por exemplo, na Espanha, fenômenos paradoxais ocorrem. Um deles é a elevada taxa de penetração de telefones móveis (quase 35 milhões de smartphones), que, no entanto, contrastam com as menores taxas de bancarização digital (apenas 37% da população utiliza a internet nas transações bancárias, em comparação com uma média de 49% nos Estados da União Europeia, atingindo, em alguns países, como a Islândia, 95%). Embora nossa sociedade não seja tecnofóbica ou tecnopessimista, a digitalização do comércio que tem transformado o setor por completo tem tardado mais que outras: testadores virtuais, cartazes inteligentes, mapas de calor, “wi-fi tracking”, espelhos 3D. Também é contraditório que grandes empresas espanholas – do setor financeiro, como o BBVA ou o Santander, ou têxteis, como a Inditex – estejam na vanguarda da digitalização de seus serviços, enquanto a sociedade espanhola mostra relutância em seguir em direção à imersão deles.

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De acordo com o muito útil estudo da Accenture GlobalMobilityStudy 2015, a densidade digital espanhola está abaixo da média do ranking das 17 principais economias analisadas. Os gestores empresariais espanhóis entrevistados no estudo – 100, de um total de 1.925 – consideraram as tecnologias digitais importantes para impulsionar seus negócios (otimização de suas operações, resposta rápida às demandas de seus clientes e criação de oportunidades de receita), e a maioria disse haver realizado “progressos significativos”. No entanto, o fosso frente a países de ponta, tecnologicamente, se mantém. Aparentemente, e seguindo a análise da Accenture, o problema poderia ser verificado na menor propensão a utilizar ferramentas tecnológicas para a análise dos negócios, em comparação com outras comunidades empresariais mais resolvidas a esse respeito. Talvez, entre outras razões, porque ainda se detecta que, na Espanha, não foram incorporadas equipes centralizadas encarregadas da estratégia digital da companhias, segundo a apreciação criteriosa de Ismael Sancha, que conduziu o estudo. Ao todo, 74% dos executivos espanhóis entrevistados reconhecem que a responsabilidade da estratégia digital está dispersa entre pessoas e equipes diferentes, sem ser contemplada, em nível global, na organização. O estudo também oferece reticências e dificuldades de generalização dos aplicativos móveis. Assim, estaríamos diante da necessidade de que a comunidade empresarial espanhola ative os dispositivos mentais de urgência para apertar o passo no vasto campo da digitalização.

A saída da crise econômica não será solvente se não incorporar valor tecnológico a seus serviços e produtos e diversificar setores que criam riqueza e emprego. Não é possível resolver a aparente contradição entre a digitalização e a dissolução dos flagelos da crise, especialmente o desemprego, se não houver uma concepção renovada da empregabilidade, nos termos em que se pronunciou sobre essa questão o vice-presidente de recursos humanos do Google, em entrevista ao New York Times. De acordo com Laszlo Bock, já não se aplicam mais expedientes acadêmicos ou os testes de uso, porque há uma “desconexão” entre o acúmulo de conhecimentos universitários e as requisições de empresas tão sofisticadas como o Google. Bock aposta nas “entrevistas comportamentais” para descobrir atitudes objetivas, pessoas que gostem de “resolver coisas” com capacidade de liderança. De fato, no Google, 14% dos colaboradores de muitas equipes não são universitários.

A “inteligência tecnológica”, é verdade, suprime certos empregos, mas também é o que cria a necessidade de outros, para quais os candidatos fabricados pelas universidades e escolas profissionais não são aptos

Essas novas condições de empregabilidade resultam – antes de eu ter mencionado – em abandonar os modelos de formação convencionais, adaptados a prestações profissionais rotineiras e progressivamente superadas. A “inteligência tecnológica”, é verdade, suprime certos empregos, mas também é o que cria a necessidade de outros, para os quais candidatos fabricados pelas universidades e escolas profissionais não são aptos. E este é, certamente, um problema geral, mas específico dos modelos educativos tradicionais, desconectados desses requisitos empresariais, ao qual aludiu o responsável pelos recursos humanos do Google. De acordo com o Ticjob, portal de empregos especializados, a Europa terá mais de 1 milhão de especialistas em tecnologia em 2020 (The Economist, de 11 de fevereiro de 2016). Em suma, o desafio consiste em criar cidadãos digitais para uma economia digital, que segundo o presidente da Telefónica, Cesar Alierta (fevereiro de 2016), poderia aumentar o PIB espanhol em até 40%.

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