A reputação em julgamento
No início da sessão de julgamento, o juiz, depois de constatar que as partes estão presentes, pronuncia solenemente as palavras “audiência pública”. Através delas, qualquer cidadão é convidado a assistir o que vai acontecer nas salas de audiência. Não se trata de mera formalidade, mas de respeitar um princípio fundamental do nosso estado de direito: proteger o cidadão da justiça de uma subtração do controle público e assim manter a confiança da comunidade nos Tribunais. Nas palavras de Mirabeau: “Dê-me o julgamento que queiras; parcial, venal, até mesmo inimigo, pouco importa, desde que possa fazê-lo diante do público”.
Se a esta dimensão pública do julgamento, de origem legal, se acrescenta a presença de um elemento noticiável ao processo, o mundo da Justiça e da Comunicação se entrelaçam inexoravelmente. Por mais que isso possa incomodar o operador jurídico, esta união é inevitável e essencialmente democrática.
A própria cidadania se encarrega de sancionar aqueles fatos que objetivamente ou através de um julgamento puramente subjetivo podem merecer reprovação
Colocado assim, não parece razoável gerenciar o risco reputacional relacionado ao litígio confiando que o que acontece no Julgamento ficará apenas no Julgamento. Ao contrário, deveria partir-se da premissa de que, quando o processo incorpora um feito potencialmente noticiável, será inevitável que fora da sala se produza um julgamento paralelo, em um campo muito mais aberto, onde as regras do jogo não são tão claras ou são simplesmente desconhecidas para o jurista.
Desta primeira premissa me permito extrair algumas outras, baseadas na minha própria experiência.
A primeira é que uma adequada exposição dos fatos e uma interpretação da lei no ambiente do processo não são suficientes para que o advogado defenda adequadamente os interesses de seu cliente. A liquidez do ambiente nos impõe um papel mais integral de jurista dos negócios, que deve incorporar uma visão de longo prazo, conhecer a fundo a atividade de seu cliente e seu valor reputacional, e exercer a liderança para além da sala de audiência, incorporando a comunicação na estratégia jurídica.
A segunda conclusão é que isso deve ser feito em um ambiente particularmente exigente em termos de reputação. O simples fato de nosso cliente estar envolvido em uma contenda judicial – inclusive quando esta circunscreve no âmbito civil – carrega, em si, uma profunda – e muitas vezes injustificada – carga negativa: estar em um julgamento está inevitavelmente associado, pela opinião pública, a alguma incerteza a respeito da sua atividade, à incapacidade de resolver os conflitos no campo dos negócios, ou apenas à culpabilidade. Isso não deveria ser assim, se fosse considerado, por um momento – este é o primeiro desafio da comunicação neste ambiente – que o sistema judiciário é o meio mais civilizado de resolver as diferenças em um sistema democrático ou se a presunção da inocência fosse realmente assumida.
A terceira conclusão é que nós, advogados, devemos humildemente admitir que os efeitos sobre a reputação de uma resolução judicial são limitados, se comparado à força extraordinária do julgamento popular: a própria cidadania se encarrega de sancionar aqueles fatos que objetivamente ou através de um julgamento puramente subjetivo podem merecer sua reprovação. Se não for capaz de convencer aos cidadãos de que esta é a decisão justa, estes atribuirão o resultado a um erro judicial ou a conspirações sombrias, mas continuará condenando quem tenha sido absolvido pelos tribunais.
Tampouco podemos ignorar o fluxo inverso, ou seja, a influência do julgamento público em um processo judicial. Sem supor questionar a sua independência e o bom tino jurídico, seria ingênuo pensar que a decisão do juiz não será influenciada, em maior ou menor grau, pela reputação dos contendores.
Finalmente, nós, juristas, devemos estar cientes de que a comunicação em geral é regida por uma linguagem e princípios que não têm a ver com aqueles que imperam em um processo judicial, ou podem ser até mesmo conflitantes, o que requer a participação de profissionais na matéria. A título de exemplo, ao passo que no processo penal o direito de defesa permite que o acusado seja considerado falso e a mentira fique impune (“tem o direito de permanecer em silêncio, tudo o que disser pode ser usado contra você“), a opinião pública jamais perdoará quem demonstre que faltou com a verdade.
A Comunicação precisa ser entendida como uma ferramenta estratégica, que permite que o público interprete corretamente o que acontece no Tribunal e impede que a reputação de nossos clientes seja colocada em xeque
Em suma, a preparação de qualquer caso que transcenda a opinião pública e que exponha a reputação de nosso cliente ao escrutínio público exige uma estratégia de comunicação alinhada com a ação judicial. Isto implica certa metodologia e a confluência de profissionais com expertise em ambas as áreas. Requer, além disso, um esforço em trazer o rigor e a precisão da linguagem jurídica, com o imediatismo e a brevidade que regem a informação.
Os julgamentos paralelos são inevitáveis e uma consequência do caráter público da Justiça. A Comunicação precisa ser entendida como uma ferramenta estratégica, que permite que o público interprete corretamente o que acontece no Tribunal e impede que a reputação de nossos clientes seja colocada em xeque ou, na pior das hipóteses, que se produza um quebra de confiança.