Famílias empresarias e internacionalização: “jogar limpo e todos jogando”
Sem dúvida, um dos marcos mais importantes do ano foi a Copa do Mundo de Futebol, realizada no Brasil. Além do esporte e do quanto ficamos felizes ou não com o desempenho de nossas seleções, trata-se de um evento que, a cada quatro anos, reúne quase um milhão de pessoas de diferentes latitudes, transformando países, por um mês, no melhor exemplo da Aldeia Global citada por McLuhan.
É precisamente desta aldeia que as empresas precisam para crescer hoje. Pensar em apenas 1% de mercados como o do Brasil, Argentina, Espanha é pensar grande e as empresas latino-americanas começaram a fazê-lo há algum tempo.
Mas quando se trata de expansão, crescimento, economia global, tratados de livre comércio, não falamos apenas da capacidade de chegar a um mercado, mas integrar-se a ele. E, nesse sentido, parece que poucos consideram as vantagens que representam, para a Ibero-América, os múltiplos fatores culturais em comum que unem os países e, por certo, seus mercados e empresas. Considerar, por exemplo, que não são apenas dois idiomas (português e espanhol), o que reúne a linguagem de mais de 650 milhões de pessoas.
Criar negócios além das fronteiras implica em gerar valor em outras comunidades e culturas.
Pesquisas de mercado, identificação de nichos, custos de produção, eficiências e uma série de fatores de management são aqueles que geralmente prevalecem na hora de expandir. Questões como onde estabelecer o centro de produção, os serviços corporativos compartilhados, etc., embora importantes, não são suficientes na hora de empreender uma expansão internacional.
Criar negócios além das fronteiras implica em gerar valor em outras comunidades e culturas, portanto, a primeira coisa a ser considerada por uma família de negócios é como a governança corporativa da organização transcenderá em um novo contexto cultural. É preciso perguntar não só o que posso vender em um país, mas por que isto é importante para eles. Não se trata apenas de difundir os novos postos de trabalho que serão oferecidos pela empresa, mas também as possibilidades de desenvolvimento que essa comunidade pode gerar.
É que integrar culturas é abrir a tomada de decisões ao talento local, sua experiência e sua história. Formar equipes de trabalho de alto rendimento, que saibam valorizar a diversidade e integração e não apenas a competência. Implica, também, dar espaço para acolher os julgamentos e prejuízos de ambos os lados e assumi-los como parte da nova realidade que está sendo construída.
Crescer, expandir-se, envolve a coragem de governar a partir dos valores, sendo respeitoso com cada realidade local e ousado o suficiente para adotar o melhor do outro como se fosse nosso. Criar empresa também é criar cultura. Servir-nos, por exemplo, do que a alguns sobra culturalmente, como o calor latino-americano, ou a tenacidade europeia, e leva-los para além de suas fronteiras, gerando, assim, aprendizagem e, portanto, desenvolvimento.
Há, propriamente, também o acervo cultural de cada país, com sua originalidade, expressões artísticas, folclore, feitos e heróis. Tudo isso pode ser uma magnífica ponte e canal de difusão para empresas. De fato, exemplos grandiosos são aqueles empreendidos pela LAN, com a iniciativa “Eu me importo com o meu destino” ou Prosegur, outra empresa de origem familiar que, através de sua fundação e de seu programa “Piecitos Colorados“, promove a educação em comunidades rurais, resgatando os costumes de seus povos nativos.
Os fracassos sempre estão relacionados com levar modelos de um lugar para o outro, pensando que as mesmas chaves do sucesso em um hemisfério funcionarão em outro.
Vale a pena refletir sobre os êxitos de algumas empresas latino-americanas no momento de sair de seu país, quando sim, já sabiam incorporar sua expansão, desde o início, aos costumes, boas práticas e respeito genuíno pelo novo ambiente e sua gente. Em vez de fracassos, sempre optaram por levar modelos de um lugar para o outro, por não pensar que a mesma chave do sucesso em um hemisfério funcionarão em outro. Estaremos muito globalizados, mas a necessidade de nos identificarmos com nosso grupo de referência e de fazer próprio, inclusive aquele que vem de fora, é um aspecto quase gregário que, por vezes, quando minimizados, em alguns casos, significam o desastre.
Não há dúvida de que as famílias de negócios, diante da decisão de ir além de suas origens, tenham tido a coragem de ser coerentes com seus valores e de integrar-se legitimamente são as que agora triunfam, porque o mercado sempre recompensa quando se joga limpo e com todos.