A ponte tem fissuras
Se alguém procura na programação do Festival de Cinema de San Sebastian 2014 e observa o grande número de filmes latino-americanos em suas diferentes seções, comprovará, em um par de fitas, que a presença espanhola é inexistente. A cada ano que passa, há cada vez menos vestígios da presença artística, de técnicos ou de empresas espanholas. E isto ocorreu este ano em todos os demais festivais: Cannes, Berlim, Veneza, Toronto e outros. E o que é pior: filmes ibero-americanos estreiam apenas nos cinemas espanhóis e menos ainda em co-produção com a Espanha.
Se alguém acompanha a reunião de co-produção latino-americana, que é realizada todos os anos em Donosti, onde são selecionados um número significativo de projetos que buscam co-produtores, no ano passado já comprovei que a maioria dos cineastas do outro lado buscavam parceiros alemães ou franceses e não produtores espanhóis. Não temos mais possíveis sócios ou companheiros de viagem de projetos. Por quê?
Estamos partindo em retirada ou quase abandonados na política cultural, na inexistente política cultural. Se olharmos um pouco para trás e recordamos da criação do programa Ibermedia, virá à memória o governo de Aznar e seu Secretário de Estado da Cultura, Miguel Ángel Cortés, alguém que acreditava que o cinema era importante para a propagação da Marca Espanha na Ibero-América e que, com o apoio de responsáveis pela política exterior, lançaram o Programa. Nas Cúpulas de Chefes de Estado se falava de cinema, reuníamo-nos com os cineastas e autoridades e se pensava e discutia sobre o futuro comum do cinema ibero-americano, o famoso mercado dos quinhentos milhões de falantes de espanhol era possível e, o mais importante de tudo: nós pensávamos e tínhamos esperança.
“É muito importante produzir filmes, mas a maioria dos filmes latino-americanos não são exibidos mais que em seus países de origem e, quando muito, no país co-produtor.
Tentando não deixar-me levar pela nostalgia do esplêndido futuro que se via nesses anos, gostaria de me deter a falar do programa Ibermedia. A Espanha foi a impulsionadora do programa, cujo grande acordo para receber ajuda era que cada país deveria investir na Ibermedia, ao contrário do que acontecia nos demais programas. A contribuição financeira majoritária provinha do Ministério das Relações Exteriores espanhol e, como a cada ano é menor, nosso peso no programa também diminuiu. Apesar do bom trabalho de Iciar Taboada, estamos perdendo terreno para o Brasil e outros países, que consideram o cinema uma arma carregada de futuro. O programa Ibermedia funciona muito bem em co-produção cinematográfica, no desenvolvimento do roteiros ou treinamentos, mas segue com o buraco negro na distribuição. É muito importante produzir filmes, mas a maioria dos filmes latino-americanos não são exibidos mais que em seus países de origem e, quando muito, no país co-produtor, mas quase nunca em outros países da América ou da Espanha e de Portugal. E aqui nos rendemos. Devemos promover um programa de distribuição de filmes no âmbito latino.
As autoridades cinematográficas ibero-americanas deveriam pensar e buscar soluções para a circulação de filmes em mais telas de cinemas a cada dia, pois enquanto na Espanha se fecham salas a cada semana, na América Latina são inauguradas. É preciso felicitar também a Ibermedia pela difusão na televisão, em um grande número de televisões públicas e privadas, de uma variedade de filmes ibero-americanos.
Isso se ainda se acredita que temos uma grande língua comum, que sonhamos em um mesmo idioma, que a variedade de palavras e acentos nos enriquece como pessoas, que juntos somos mais fortes, que podemos criar e desfrutar de imagens e ideias em comum, que temos ambições de contar bem nossas histórias, se somos competentes como empresários, se a cada dia há melhores técnicos e atores, se nossas empresas podem fazer filmes com a mesma qualidade e séries que outras indústrias cinematográficas europeias ou norte-americanas.
“As autoridades cinematográficas ibero-americanas deveriam pensar e buscar soluções para a circulação de filmes em mais telas de cinemas a cada dia, pois enquanto na Espanha se fecham salas a cada semana, na América Latina são inauguradas.
É assombroso aceitar que fundos cinematográficos da Argentina, Brasil e do México tenham muito mais dinheiro do que o fundo espanhol. Sempre penso que quero competir como empresário com as mesmas ajudas dadas aos produtores alemães, franceses ou ingleses, com as mesmas, mas não com menos. Olhamos com admiração como crescem as políticas de incentivo do México, do Brasil e da Colômbia. E as nossas retrocedem, diminuem e passamos os dias falando sobre a possibilidade de pagar o que devem, três anos depois de produzirmos.
De verdade alguém acredita que não há 60 milhões de euros por ano para nosso cinema, e sim bilhões para resgatar bancos.
Espero que um dia alguém do governo perceba o erro da política cultural e se dê conta de que é preciso dar um giro de 180º para retomarmos o rumo.
O OUTRO LADO SEGUE AÍ, ESPERANDO QUE VOLTEMOS A RECONSTRUIR A PONTE QUE NUNCA DEVERÍAMOS TER ABANDONADO, MAS AINDA HÁ TEMPO, ANTES QUE ELA CAIA.