A diplomacia da economia e da comunicação
H enry Jon Temple, terceiro visconde Palmerston (1784-1865) e primeiro-ministro britânico durante dois períodos da sua vida, foi o político que revelou o conteúdo material dos verdadeiros objetivos desse soft power que é a diplomacia. Ele afirmou: “A Grã-Bretanha não tem eternos aliados nem inimigos perpétuos, apenas interesses que são eternos e perpétuos”. É difícil encontrar uma frase tão pragmática vinda do norte que defina tão bem a política externa dos estados. Em qualquer caso, trata de uma política de geometria variável, na qual não existe, de forma permanente e sustentável, outra coisa além de interesses de diferentes naturezas. Os valores são abandonados.
Uma das atividades próprias da soberania do estado – a política externa -, que não é descentralizada ou delegada nos Estados compostos a favor de entidades infraestatais, passou por uma profunda transformação. A tal ponto que a diplomacia, instrumento essencial da política externa, é tratada como um conceito repetidamente adjetivado como: “novo”. Não podemos falar apenas de diplomacia, e sim, de uma nova diplomacia. E em que consiste? Na gestão colaborativa por parte de entidades alheias ao governo, embora sob sua direção, dos interesses gerais, de preferência, econômicos, das sociedades cujo bem-estar é gerido pelo Estado. Esta nova diplomacia é, essencialmente, a já denominada “diplomacia econômica”, na qual deve ser adicionada a definição “nova diplomacia comunicacional”.
A nova diplomacia deixou de ser representativa e convencional e se tornou um instrumento de política real, endurecendo seus perfis.
Um exemplo recente das novas formas e procedimentos da política externa dos Estados ocorreram com a perigosa crise na Ucrânia e seu confronto com a Rússia. Nem por um momento passou pela mente de organizações como a OTAN, a ONU ou a própria União Europeia intervir no problema gerado entre Kiev e Moscou por meio do uso da força, e sim através de tentativas constantes de acordos diplomáticos que salvassem os danos enormes – especialmente econômicos e, especificamente, energéticos – como consequência da anexação da península da Crimeia à Rússia e à instabilidade no leste da Ucrânia. Exemplo típico da nova diplomacia: não parece relevante para estes efeitos a situação das comunidades russas e ucranianas e seus confrontos, nem existe uma capacidade de dissuasão para impedir que Putin reviva o sonho imperial russo. Ela existe para defender os interesses energéticos da Europa e para oferecer à opinião pública internacional, por meio de técnicas de comunicação diplomática, a imagem que se deve difundir sobre o conflito, que, neste caso, consiste na regressão de Moscou para perigosos padrões de comportamento internacional com relação à ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Nesta nova diplomacia, o Estado permite ser auxiliado pela iniciativa privada (principalmente a empresarial) e pelas paradiplomáticas das comunidades autônomas e dos municípios.
A nova diplomacia deixou de ser representativa e convencional e se tornou um instrumento de política real, endurecendo seus perfis. Na construção da Europa, está sendo desenvolvido de uma forma muito enérgica o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), dirigido de maneira imediata pelo alto representante para Assuntos Externos e Política de Segurança. Trata-se de uma diplomacia comum europeia, servida por centenas de funcionários públicos, procedentes do próprio corpo da União e dos corpos diplomáticos dos E stados-Membros, que conta com quase cento e cinquenta delegações ou embaixadas com seus respectivos embaixadores, que substituem os delegados da Comissão e que extrapolaram, após o Tratado de Lisboa, seu caráter técnico-econômico para realizar uma atividade diplomática mais abrangente na qual as questões econômicas e financeiras continuam sendo, no entanto, mais importantes.
Na Espanha, Pedro Sánchez Pérez-Castejón, doutor em Economia e professor de História do Pensamento Econômico, deputado no Congresso pelo PSOE, dirigiu o livro “La nueva diplomacia económica española” (Delta Publicaciones), que é, a este respeito, um texto de referência, de leitura obrigatória, da particularidade da Espanha à generalização da comunidade de Estados, dos perfis dessa nova política externa ao serviço de objetivos contemporâneos que não têm mais nada a ver com riscos de guerra, e sim com a gestão dos interesses financeiros, energéticos, industriais e tecnológicos.
Como parte dessa nova proposta de diplomacia, na excelente abordagem do autor, o governo assume um papel de protagonista – sem deixar de lado sua inclusão na política externa da União -, mas ajudada pela iniciativa privada (principalmente, assumida pelas grandes empresas, que são agentes essenciais da chamada “marcapaís”) e pelas atividades paradiplomáticas das comunidades autônomas e pelos municípios mais importantes.
Para os efeitos do presente artigo, basta fazer referência à obra dirigida por Pedro Sánchez Pérez-Castejón que reúne todos os dados e detalhes para entender com profundidade a nova arquitetura da diplomacia espanhola, que não é diferente à de outros países. Embora, por enquanto, esteja pendente uma estrutura regulatória, que o atual governo está discutindo com o Projeto de Lei do Serviço Exterior, um texto que procura obter um grande consenso interinstitucional que se encaixe com as diretrizes da União Europeia. Mas não é só isso, porque a Espanha tem interesses primordiais e privilegiados que não coincidem com os da UE: os países da América Latina.
Porém, os interesses econômicos do Estado (ou seja, das empresas e das Administrações Públicas) no exterior devem se enlaçar com a comunicação. Hoje, a diplomacia não consiste em criar, transformar, persuadir e conformar a reputação do Estado e modelar a “marca país”. Voltamos à velha ideia – porém não menos certa por ser velha – do relato comunicacional que deve acompanhar a história dos Estados na sua política externa. As embaixadas deveriam ser vistas como autênticos correspondentes para a difusão dessas mensagens emitidas pelo Estado, centros de comunicação bem conectados com os grupos de interesse previamente definidos e, ao mesmo tempo, órgãos de recepção de informações funcionais.
Devemos passar das secretárias ou setores de informações das embaixadas – cujo conceito deve ser profundamente revisado – para a conformação de verdadeiros centros de difusão e recepção de informações e, sem dúvida, mecanismos de gestão eficientes de reputação internacional, infelizmente abandonado, ou pelo menos não otimizado, não só pelo governo espanhol, mas também por outros países-membros da União Europeia.
As embaixadas devem ser transformadas em autênticos centros para difusão e recepção de informações e também em autênticas maquinarias da gestão da reputação internacional do Estado.
A nova diplomacia – econômica e comunicacional – requer questionamentos muito profundos: a gestão da diplomacia nos cargos de maior responsabilidade deve ser assumida por funcionários do Estado? Ou, pelo contrário, a diplomacia deve se valer dos políticos, como frequentemente acontece nos Estados Unidos? Que características técnicas devem ser exigidas dos diplomatas além do conhecimento de idiomas? Os conhecimentos gerais dos diplomatas são suficientes ou são necessárias mais formações especializadas? Todas essas perguntas, e mais algumas, são levantadas no que diz respeito à nova diplomacia que, na verdade, é a emergência de um novo poder do Estado que, em certas ocasiões, combina com a de outros para compartilhar esforços a favor de objetivos que transcendem, na esfera econômica, e principalmente, os interesses de um país porque afetam os de regiões cada vez mais extensas do mundo.