A diplomacia como uma atividade profissional do século XXI
Vamos falar sobre a diplomacia na atualidade e sua utilidade no contexto contemporâneo Em primeiro lugar, vamos recorrer a uma definição sempre útil para compreender e contextualizar essa questão. A diplomacia consiste em: “ações realizadas pelos Estados para que as relações entre eles não sejam instrumentalizadas, principalmente por meio de pressões, ameaças de uso ou uso da força”. Essa é uma definição de cunho bastante “realista”. Isso significa que o sistema internacional, na falta de um “instrumento” diplomático, seria uma espécie de “selva” na qual, sempre e inevitavelmente, o mais forte se imporia sobre o mais fraco. Por outro lado, um “idealista” diria que: “a diplomacia é uma forma de conduzir as relações internacionais através de meios pacíficos, principalmente, a negociação, o consenso e o compromisso”. Esta visão rejeita o uso de “pressões” e defende que, em uma negociação, independentemente da dimensão dos atores, todos devem “ganhar” alguma coisa. O fato de ficar com uma parte do “bolo” em questão é fundamental para os idealistas, porque esse é o fator que garante a sustentabilidade de qualquer acordo diplomático entre os países.
Para os idealistas, cujo modo de ver as coisas, na minha opinião, é a mais amplamente aceita hoje se não houvesse tais vantagens recíprocas. A parte perdedora, cedo ou tarde, começaria a criar dificuldades que impregnariam o sistema regional ou internacional, renovando a incerteza e a instabilidade. Essas circunstâncias são bastante negativas, porque não permitem construir relações de amizade e cooperação, que são essenciais para a paz de acordo com o que é estabelecido na Carta da OEA e na Carta das Nações Unidas. Além disso, esses seriam os cenários menos favoráveis para a diplomacia, uma vez que, renovar um acordo “não equitativo” é muito difícil, leva tempo, às vezes, mudanças fundamentais na “equação de poder” entre os atores, e tudo isso implica tensões que colocam de lado o diálogo e origina “gesticulações” políticas estéreis. Existem tantos exemplos disso, que considero desnecessário mencioná-los.
O mais relevante hoje é a complexidade da diplomacia em função da multiplicidade de atores.
Para além do exposto acima, atualmente, o mais relevante é a complexidade da diplomacia devido à multiplicidade de atores, que, além das entidades soberanas, como os Estados, inclui atores não estatais com presença internacional, como os Organismos Internacionais (ONU, OEA, FUNDO, BANCO, OMC, etc.), atores não estatais legais, como as grandes empresas multinacionais e as ONG (Greenpeace, entre outras) e, finalmente, atores não estatais ilegais, como o tráfico de drogas e o terrorismo, cujas ações se manifestam em quase todas as atividades relacionadas com o que acontece além das fronteiras.
Esse conjunto de fatores, aparentemente indefiníveis como um todo, fez com que a diplomacia atual buscasse novas maneiras de classificar e concentrar os fenômenos que têm acontecido no mundo para facilitar a sua solução de uma forma não traumática e de acordo com regras existentes e reconhecidas. Agora vamos falar da “governança global”, que vou descrever da seguinte forma: “é um conceito que combina os esforços e as ações diplomáticas entre atores estatais e não estatais do sistema internacional a fim de buscar soluções para questões cruciais por meio da negociação, do consenso e do compromisso. Esse conceito, por sua própria natureza (governança), exclui o uso unilateral da força, e se apoia firmemente no direito internacional e nas instituições internacionais. A governança global não exige uma “uniformidade”, mas requer um denominador comum mínimo, aceito e praticado (ambos se parecem, mas são substancialmente diferentes) no que diz respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais por parte dos atores mais poderosos do sistema”. (consultar documento apresentado na reunião do Council on Foreign Relations (NY), Comexico e Fundação Getulio Vargas, Cidade do México, de 22 a 26 de novembro de 2013).
Hoje, o diplomata deve estar sempre bem informado sobre o que está acontecendo no país em que está representado, no seu próprio país e nas “vizinhanças”.
O novo universo a que a governança global aspira se orientar (“harness”?) é aquele que gera a necessidade de um “aggiornamento” do método diplomático. Os atores não estatais, tanto legais quanto ilegais, seu impacto sobre as decisões dos governos, a característica instantânea da comunicação e das informações, a dispersão das agências dos governos com “vocação” para o exterior, a frequência da “summit diplomacy”, bem como a deterioração irreversível da confidencialidade nas mãos da tecnologia são todos fatores presentes na nossa realidade recente. Mas nada disso implica, necessariamente, menos diplomacia ou menos especialização. (Pretender que a “summit diplomacy” substitua a diplomacia e os diplomatas é equivalente a dizer que a “summit diplomacy” torna desnecessários os economistas, porque os presidentes também falam de economia). Muito menos a obsolescência automática do conjunto de regras consuetudinárias e de Convenções Internacionais multilaterais ou bilaterais, que regulam os mecanismos do dia a dia da diplomacia. Muito pelo contrário, seria um grave erro pensar que as comunicações jornalísticas instantâneas, os funcionários improvisados ou a dispersão das expressões estatais (cada agência com sua própria agenda) ajudarão a melhorar o ambiente internacional e aperfeiçoarão os vínculos entre os países.
Naturalmente, não devemos ignorar esta realidade, uma vez que sua dinâmica não pode ser controlada apenas com normas regulamentadoras. Portanto, o diplomata de hoje deve assumir todas estas circunstâncias e deve estar sempre bem informado, principalmente lúcido e ao dia sobre o que está acontecendo, não só no país em que está representado, mas também sobre o que está acontecendo no seu próprio país e nas “vizinhanças”. Esse conhecimento permitirá centralizar e coordenar o fluxo de interesses, atender os fatores locais que interveem nas circunstâncias políticas, culturais e comerciais, que são o amálgama que fortalece todos os relacionamentos sérios e estáveis entre os países. Somente um embaixador profissional e idôneo pode compreender inteligentemente o que acontece nas comissões do Parlamento local e outras agências governamentais, onde são decididas medidas administrativas que podem implicar um benefício significativo ou uma perda momentânea. Essas coisas, bem como o contato diário com a imprensa e o ambiente local, não pode ser conseguidos a partir de um escritório a muitos quilômetros de distância. São conseguidas com a presença diária, com contatos sérios e qualidades pessoais e sociais adequadas e, em particular, com a colaboração e a iniciativa do cônjuge, quase sempre, determinante para o sucesso ou o fracasso de uma gestão diplomática.
Para a atividade diplomática, o mundo aumentou durante o século XXI.
Dessa forma, afirmar que o mundo “diminuiu” devido às comunicações e às facilidades dos contatos seria outro erro. O mundo não se tornou menor. Na verdade, para a atividade diplomática, o mundo “aumentou” consideravelmente durante o século XXI. Não só porque existem muitos países mais soberanos, mas também porque existem mais organismos, mais atores e, consequentemente, ainda mais relações e inter-relações complexas.
Portanto, a questão é determinar se as definições sobre a diplomacia que vimos no início têm caído no desuso e se a profissão, como tal, não é mais tão necessária. Minha conclusão é que, diante de um mundo cada vez mais complexo e interligado, com riscos de segurança ainda mais palpáveis do que durante a Guerra Fria e com grandes carências sociais à vista de todos aqueles que não respeitam fronteiras nem continentes, profissionais obrigatoriamente formados no respeito pela paz, na não intervenção, no não uso da força e, acima de tudo, na solução pacífica de controvérsias internacionais, serão cada vez mais necessários. A visão sobre a atividade diplomática que é oferecida tanto pelos “realistas” quanto pelos “idealistas” se mantém em vigor, embora em um contexto diferente e mais exigente.
Em conclusão, acredito que, com uma adaptação adequada a essas realidades, a profissão diplomática não corre riscos.