UNO Junho 2014

Transparência e reputação no setor extrativo

08_2Não existe nenhum setor que tenha tanto impacto tanto no ambiente como na indústria extrativa. Sua influência no meio ambiente é conatural à sua atividade e seu efeito sobre a qualidade de vida das comunidades onde atua é também inato ao seu negócio. Com isto em mente, é compreensível que o setor extrativo seja visto com certo receio. Se ao anterior acrescentarmos que as riquezas geradas graças à atividade extrativa não costumam reverter-se para as populações próximas, ninguém pode estranhar que estas empresas não gozem de boa reputação.

Como explica Belén Díaz, especialista em indústrias extrativas, à revista Compromiso Empresarial: “As empresas extrativas desfrutaram de boca livre na hora de negociar as condições dos contratos e concessões de exploração, margens de benefícios, etc., em situações de absoluta opacidade e falta de controle. Naturalmente, também houve interesse em manter essa situação de opacidade por parte dos governantes dos países produtores para enriquecerem pessoalmente, mas esse fato não pode servir de justificativa (Compromiso Empresarial, Nº 29, setembro-outubro 2009).

Os responsáveis por responsabilidade social corporativa e sustentabilidade das empresas extrativas costumam alegar que é muito que se tem feito nos últimos anos para reverter a imagem de opacidade do setor e que, apesar dos esforços, a reputação continua abaixo do mínimo. É verdade que se deram passos importantes nos últimos dez anos, mas todos os avanços que se produziram têm sua origem no trabalho dos grupos ativistas e das ONG, auxiliados por meios de comunicação, que em nenhum caso foram induzidos pelas próprias empresas.

A luta para conseguir maiores níveis de transparência na indústria extrativa tem sido longa e cheia de obstáculos.

A luta para conseguir maiores níveis de transparência na indústria extrativa tem sido longa e cheia de obstáculos. No ano de 2002 criou-se a plataforma Publish What You Pay (PWYP), graças à qual se lançou a iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (ITIE) na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de Joanesburgo de 2002. A ITIE foi uma iniciativa importante que surgiu para impulsionar a transparência e a responsabilidade na gestão dos benefícios das indústrias extrativas, dificultar a corrupção e responder à demanda cidadã de que os benefícios se revertam para as comunidades. Embora a iniciativa tenha conseguido despertar um enorme interesse, a maioria das empresas extrativas ignorou suas recomendações voluntárias, escusando-se de não poder publicar suas transferências porque essa informação era confidencial e poderia prejudicá-las ao revelar sua estratégia corporativa e suas vantagens competitivas. Em realidade, ninguém acreditava que a informação sobre transparência nos pagamentos pudesse pôr em perigo as estratégias das empresas e, caso isso acontecesse, existiam muitas formas de tornar pública a informação sem comprometer a estratégia.

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Ante a falta de eficácia em impulsionar uma mudança real, muitas organizações, encabeçadas por Publish What You Pay e Global Witness, começaram a reivindicar um regulamento legal da transparência nos pagamentos. O primeiro país que deu um passo adiante a favor do regulamento foram os Estados Unidos. Em agosto de 2012 o congresso americano aprovou a seção 1504 da Dodd-Frank Acts que exigiu que as empresas de gás, petróleo e minerais tornassem públicos os pagamentos realizados aos governos nos projetos relacionados com a extração comercial de recursos naturais. Em outubro de 2011 a Comissão Europeia uniu-se a este movimento ao modificar as Diretivas de Transparência e Contabilidade. Dia 9 de abril do ano passado, o conselho e o parlamento europeus exigiram a todas as grandes empresas de petróleo, gás, mineração e florestais tornar públicos todos os pagamentos realizados aos governos em projetos avaliados em mais de 100 000 euros, incluindo impostos, regalias e taxas por licenças em qualquer país onde atuassem.

 

 

 

O setor extrativo continua percebendo a transparência como obstáculo para seu negócio e não como elemento estratégico para melhorar sua reputação e reforçar sua competitividade.

Trata-se de um marco importantíssimo na promoção da transparência que, como explica Helena Ancos (Compromiso Empresarial, Nº 47, julho-agosto 2013), não esteve isento de obstáculos. Assim, por exemplo, a indústria extrativa tratou de conseguir, sem resultado, que a informação sobre os pagamentos se realizasse de maneira agregada, em lugar de pormenorizada por operação; além disso, tentou que o limiar da informação de pagamentos se situasse em um milhão de dólares, em vez dos 100 000 euros finalmente aprovados; e, por último, que se impedisse a publicação da informação nos países em que estivesse expressamente proibido pela legislação local o chamado tyrant’s veto. Nenhuma destas reivindicações foi atendida, o que põe de manifesto a firmeza dos reguladores e o reconhecimento cada vez maior das práticas de transparência para lutar contra a corrupção por parte de grandes setores da sociedade. Por grandes setores da sociedade com exceção do setor extrativo, que continua percebendo as demandas de transparência como um obstáculo para seu negócio em lugar de um elemento estratégico para melhorar sua reputação e reforçar sua competitividade.

Se a extração supõe revelar algo que está escondido, imerso ou sepultado, as empresas extrativas devem ser conscientes de que a transparência na informação constitui uma parte consubstancial do seu negócio.

 

Javier Martín
Diretor da fundação Compromiso y Transparencia
Diretor e fundador da fundação Compromiso y Transparencia e editor da revista Compromiso Empresarial. Foi diretor-geral da Fundação Codespa e diretor de desenvolvimento corporativo da IESE. É formado em direito pela Universidade de Navarra, P.D.G pela IESE, formado em Strategic Perspective in Non-Profit Management pela Harvard Business School e em microfinanças pela CGAP. É professor associado da IE na área de responsabilidade social corporativa. Escreveu mais de cinquenta artigos, estudos de caso e notas técnicas sobre bom governo, transparência e responsabilidade social corporativa.

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