UNO Novembro 2019

Os ângulos mortos da inovação

No fundo da gaveta de algum dos leitores deste artigo, haverá algum par de “Google Glasses”. Não sabemos se a acumular pó, ou à espera do seu momento. Google apresentou a sua proposta de óculos inteligentes em 2012, e os que jogam a antecipar o futuro prometeram-nos um presente imediato cheio de weareables deste tipo. Isso não aconteceu. Este ano, Amazon apresentou a sua própria evolução deste dispositivo sem tanto ruído, o que pode supor a confirmação de uma tendência que chega mais tarde do que pensávamos, ou o estancamento definitivo desta proposta. Veremos o que acontece no próximo Black Friday.

Em 2010, no mundo empresarial, jogávamos a adivinhar como seria o mundo em 2020. Algumas predições cumpriram-se, outras não. A crescente desigualdade entre o campo e a cidade era previsível, assim como o desenvolvimento do trabalho na nuvem, ou o auge da produção audiovisual. No entanto, a chegada das fake news, óbvia para o televisivo Doctor House, que não cessava de afirmar, nos écrans da época, que “todo o mundo mente”, colou-se pelo ângulo morto do retrovisor dos caçadores de tendências. Víamos o que nos trazia o desenvolvimento tecnológico, mas não intuíamos o uso que dele faria o comportamento humano.

O principal problema a que nos enfrentamos quando falamos de tendências em comunicação, e ó que, em marketing, se conhece como time to market. Podemos antecipar algumas das tecnologias que influirão no nosso trabalho, mas nem sempre acertamos com os seus prazos de adoção massiva e, muitas vezes, não vemos as mudanças até que estas nos alcançam. Não podemos considerar todas as variáveis. Se apostar pelo futuro fosse tão fácil, as máquinas seriam capazes de escrever o destino. E, afortunadamente, não é assim.

“O principal problema a que nos enfrentamos quando falamos de tendências em comunicação é o que, em marketing se conhece como time to market”

O consagrado Hype Cycle que a consultora Gartner aplica aos desenvolvimentos tecnológicos diz-nos que uma nova tecnologia passa primeiro por uma fase de lançamento, para depois se sobredimendionar tanto que caímos no abismo da desilusão, até que finalmente, pouco a pouco, essa tecnologia se implanta na nossa vida quotidiana.

Em comunicação, a era digital trouxe consigo a pressa e a ansiedade. Os profissionais somos, muitas vezes, early adopters, usuários precoces, temerários, que defendemos de capa e espada a morte do velho, e o êxito do novo, fazendo com que, na nossa profissão, todo o processo de inovação viva um ciclo acelerado, similar ao que descreve Gartner. Queremos ter já o que, em desenvolvimento e implantação tecnológica, demora anos. E equivocamo-nos nas nas previsões, ou chegamos a deprimir-nos e pensamos que, por vezes, a nossa aposta pela mudança é inútil.

Afortunadamente, já contamos com experiência, com contexto, para começar a mover-nos com alguma soltura, sem cair em dramatismos, nesta era de mudança constante. Começamos a saber viver com a incerteza.

Em 2011, Thierry Breton, CEO da tecnológica francesa ATOS, anunciou o fim do e-mail, pelo menos na sua empresa. Em 2017, a firma de investimentos GP Bullhound punha como data para o fim do uso corporativo do correio eletrônico o ano 2018, às mão de Slack, uma empresa que em 2019 acumula descidas de 40 % após a sua saída em Bolsa.

A realidade é que o e-mail passou de cadáver a ser uma tendência assente na comunicação. As newsletters converteram-se em algo habitual para as empresas de retail ou para empresas informativas, permitindo filtrar o ruído e chegar ao usuário adequado no momento certo. Existem tecnologias que nos transformam pouco a pouco, como foi o caso do correio eletrônico, e como hoje são as mensagens instantâneas, que se iniciaram com o SMS e vivem a sua idade dourada com Whats App. A maioria das mensagens da comunicação flui através de conversações privadas em espaços digitais que não vemos. Estavam tão próximas que não pudemos prever que marcariam o presente imediato. Ainda não aproveitamos bem essas conversações invisíveis para as ferramentas de medição.

A IA e blockchain marcarão, provavelmente, o futuro da profissão. Mas não será já amanhã. A má notícia é que, atualmente, o ruído supera a realidade. A IA, que na nossa profissão requer precisão cognitiva, está longe de consegui-la, e menos ainda em espanhol, porque a maior parte do esforço de investigação se realiza em inglês. Chegará o momento em que as máquinas nos facilitarão parte do trabalho, mas durante alguns anos teremos que continuar a pôr bastante da nossa parte.

Blockchain pode ser um grande certificador de processos, mesmo na comunicação, mas ainda estamos longe de ver resultados realmente escaláveis. De momento, esta novidade desencadeia mais atividade em congressos especializados do que em aplicações reais, mas tudo chegará. Outras tecnologias, como a realidade aumentada, emocionaram-nos há alguns anos, mas não serão massivas até que solucionemos problemas humanos, como o medo do ridículo se as utilizamos rodeados de gente. Aqui existia outro ângulo morto.

Para inovar neste entorno, falando de comunicação, temos duas vias: adiantarmo-nos sem medo, e contribuir com paciência para o desenvolvimento de tecnologias, cuja madureza tardará anos em chegar, ou procurar entre as já existentes novas aplicações que acabarão por ser tendência.

A primeira opção é cara, e requer o ativo mais valioso que possuímos: o tempo. O seu retorno pode ser muito alto, por muito distante que se situe na cronologia das nossas vidas. A segunda opção implica desenvolver o pensamento lateral, para descobrir novos modos de aplicar o que já conhecemos, maneiras de sermos mais eficientes com ferramentas cujo uso não está claro quando olhamos pelo retrovisor.

Txema Valenzuela
Sócio fundador de La Propagadora
Sócio fundador de La Propagadora, consultora de comunicação estratégica. Anteriormente foi responsável de comunicação e publicidade de conteúdos em Movistarplus e de comunicação digital no BBVA. Como jornalista, trabalhou anteriormente nos diários digitais ElPais.com e ElMundo.es.

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