UNO Novembro 2019

UNO + 1 Entrevista de Lalo Zanoni a César Cernuda

P: Que projeto atual da Microsoft lhe entusiasma mais?

R: Atualmente, o que mais me agrada do nosso trabalho é ver como a nossa tecnologia de Inteligência Artificial está a contribuir para criar um mundo melhor. Pessoalmente, há um caso que me apaixona, que é o de Otto Knoke, um analista de dados que foi diagnosticado com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), e a quem a doença incapacitou para utilizar a voz e as mãos. Otto utiliza atualmente a tecnologia com IA de Eye Control para interagir através de um écran com a sua família e os amigos, e para realizar o seu trabalho. Este é apenas um exemplo de como esta tecnologia nos ajuda a desenvolver todo o nosso potencial.

Gostaria também de mencionar outro projeto que me entusiasma, chamado “Microsoft Airband”. Consiste na expansão do acesso à Internet através do TVWS (TV White Spaces), permitindo que o serviço de banda larga de baixo custo seja levado para zonas rurais desconectadas. Conectar estudantes, pais e agricultores nas áreas rurais permite que eles adquiram novas habilidades, melhorem seu acesso à educação e à saúde, aumentem a produtividade e tirem vantagem de novos mercados. Isto é essencial para que as comunidades locais prosperem e é fundamental para o desenvolvimento nacional. Na Colômbia, por exemplo, a Microsoft, juntamente com a Fundação Lavazza, conseguiu estender a conectividade a comunidades cafeeiras anteriormente desconectadas, facilitando a chegada de serviços online em educação, produtividade agrícola e telemedicina, entre outros.

P: Qual é o desafio mais importante da região, em matéria de tecnologia?

R: O uso crescente de tecnologias como a Inteligência Artificial, machine learning ou o uso amplo da Nuvem, são alguns exemplos de novas ferramentas que estão a transformar as indústrias. Estas tecnologias representam, para as economias em desenvolvimento, a possibilidade de gerar um crescimento acelerado nos próximos anos. Este crescimento será proporcionado pela adoção destas novas tecnologias, mas também pela capacidade das empresas de vislumbrar um novo modo de conceber o seu negócio. Parece-me que, para a América Latina, o desafio mais importante é que sejamos capazes de reconhecer a oportunidade que apresenta a revolução digital para impulsar o crescimento económico e social desta região. Naturalmente, ainda existem desafios de implantação, como a conectividade de banda larga nas zonas rurais, a necessidade de desenvolver as competências digitais dos trabalhadores, e a importância de incrementar a participação das mulheres na indústria; mas, para mim, o primeiro passo começa com reconhecer a oportunidade, pois é a própria tecnologia que pode resolver esses desafios sociais.

P: Quais são os seus principais objetivos na Microsoft para 2020?

R: Para nós, 2020 será um ano decisivo, precisamente no que diz respeito ao aproveitamento da oportunidade mencionada. O nosso investimento e o nosso compromisso com a Inteligência Artificial, a privacidade e a segurança dos dados tem como objetivo ajudar os nossos clientes para que possam transformar-se e aproveitar as novas oportunidades que esta transformação digital nos oferece.

P: O que significa para si a transformação digital?

R: Para mim a transformação digital é, no fundo, uma transformação cultural. Não se trata de uma simples migração para a Nuvem, e sim de uma transformação profunda de paradigma, em que, graças a recolha de dados, ao cômputo na Nuvem e à Inteligência Artificial, hoje em dia temos uma fonte completamente nova de conhecimento, que tem um impacto, não só nas ferramentas que utilizamos, mas também em como definimos o nosso negócio e os nossos projetos.

P: Qual é a melhor maneira de acompanhar uma empresa/cliente no seu processo de transformação digital?

R: Penso que a melhor maneira é começar por escutar, e compreender o passado, o presente e o futuro que queremos criar. Como antes mencionei, a transformação de uma empresa começa pela sua cultura, e os nossos hábitos terão de mudar. É fundamental poder construir sobre as raízes que os nossos clientes foram criando, para sermos capazes de construir sobre as fortalezas das nossas empresas, em lugar de pensarmos que é necessário começar de zero. Do mesmo modo, é importante que lideremos a mudança desde a alta direção, demonstrando-o com fatos. Temos vindo a estabelecer alianças com empresas estratégicas, em que nos comprometemos a ser seus sócios na transformação digital, e a acompanhar-lhes com recursos técnicos e humanos nessa travessia.

P: Dirige uma área de Microsoft com mais de 2500 empregados, e faz parte da companhia há mais de 20 anos. Quais são as suas chaves pessoais para ser um bom líder?

R. Penso que o mais importante é querer sempre continuar a aprender. Isto significa continuar a aprender sobre a indústria, o cliente e os diferentes mercados em que tive a oportunidade de trabalhar. Para mim foi um verdadeiro luxo poder conhecer e aprender de tantos clientes e sócios, em todas as partes do mundo. Não obstante, dirigir um grupo com tanta gente implica sempre uma enorme responsabilidade, a de conseguir que cada membro da equipe se sinta apreciado, motivado, entusiasmado e com vontade de conseguir realizar mais e melhores coisas. Acredito que o êxito de um líder se mede através do êxito dos membros da sua equipe. Um bom líder deve estar sempre pronto para ajudar, e não para mandar.

P: Como explicaria a nova dinâmica que Satya Nadella trouxe à Microsoft?

R: Satya promoveu uma transformação cultural que nos ajudou a continuar a ser relevantes num mundo digital, porque se apercebeu de que devíamos passar de ser um grupo de pessoas que pensava saber tudo, a um grupo de pessoas que queria aprender tudo. Isso abriu-nos as portas a uma enorme quantidade de possibilidades e projetos que indivíduos e organizações queriam conseguir. Foi assim que nos demos conta de que a nossa missão era precisamente dar poder às pessoas para conseguir melhores resultados através da tecnologia.

P: Sei que é um fanático do futebol, e gostaria de conhecer a sua opinião sobre o tema da tecnologia aplicada ao futebol, e os projetos de Microsoft nesta área (como a aliança com o Real Madrid).

R: Algo que me encanta da Inteligência Artificial é a capacidade da sua aplicação a todo o tipo de atividades, e o caso do futebol não é diferente. O trabalho com o Real Madrid não só ajuda o clube a ser mais eficiente, como também permite aos seus adeptos estar muito mais próximo dos seus jogadores, e aos treinadores melhorar os seus programas de treino. Este é o lado maravilhoso da transformação digital. Algo que tem um impacto em todos os aspectos de um projeto ou empresa, e é fantástico ver o que os clubes desportivos com comunidades internacionais de adeptos podem fazer com estas ferramentas.

P: Como imagina o futuro dos desportos e da tecnologia?

R: O desporto é uma das atividades que mais unem e apaixonam as pessoas, e o que se pode conseguir ao combinar isto com a tecnologia é simplesmente extraordinário. Por um lado, existe o potencial para ajudar as diferentes ligas em praticamente todas as suas necessidades, desde melhorar a sua operação a implantar melhores ferramentas no terreno, à gestão dos estádios e à venda de entradas. No entanto, penso que o maior impacto será nos atletas e nos adeptos. Os atletas estão a encontrar melhores maneiras de competir, incorporando ferramentas para analisar o comportamento dos rivais e melhorar os treinos. Os adeptos estão hoje mais perto do que nunca do desporto, podendo integrar análises de dados históricos para entender estratégias desportivas, e interagindo com campanhas ajustadas aos seus interesses.

P: Falemos da Nuvem. A que atribui o fenomenal arranque da Cloud nos últimos anos?

R: Trata-se de uma equação relativamente simples: basicamente, hoje geramos num só dia a mesma quantidade de dados que se produziam num ano, três décadas atrás. Porquê? Porque estamos todos conectados, existem muitos mais dispositivos do que antes, cada um dos quais está gerando dados constantemente. Por outro lado, o armazenamento dos dados é muito mais barato. Armazenar um gigabyte passou de custar 45 000 dólares, a apenas 2 centavos! Por último, o processamento desses dados (ou seja, as máquinas necessárias para processar dados) também mudou, e são muito mais económicas. Por exemplo, para processar um Teraflop nos anos 90 era necessário investir numa máquina que custava 70 milhões de dólares. Hoje, podemos fazê-lo com uma XBOX One S (299 dólares). Por outro lado, a Nuvem abriu as portas a que qualquer pessoa, sem importar a sua localização, dimensão ou indústria, tenha acesso a ferramentas que utilizam a Inteligência Artificial para analisar os dados, libertando o seu potencial.

P: Como compete Amazon AWS nesta indústria?

R: Continuamos a trabalhar na nossa missão de dar mais poder a organizações e a pessoas para conseguir mais êxitos. O nosso compromisso com a sociedade, os governos e as empresas é algo em que temos vindo a trabalhar desde há mais de 40 anos.

Somos a companhia com mais regiões em todo o mundo (Data Centers), e, no meu caso, sinto-me orgulhoso por poder afirmar que na América Latina estamos presentes há mais de 35 anos, com as nossas delegações e presença em mais de 25 países. Costumo definir a Microsoft como uma empresa global com uma presença local. Isso significa compreender a importância de manter a privacidade e a segurança dos dados dos nossos clientes. As nossas plataformas e ferramentas facilitam a criatividade e ajudam a impulsar a produtividade dos pequenos negócios, tornando mais competitivas as empresas grandes, e permitindo que o setor público seja mais eficiente. Também proporcionam suporte a empreendedores, melhoram os resultados nas áreas da educação e da saúde, e potenciam o génio humano. O nosso propósito reside no êxito dos nossos clientes.

P: Numa entrevista ao jornal The Telegraph, o presidente da Microsoft, Brad Smith, afirmou que o uso de ‘sistemas letais de armas autónomas’ coloca uma série de novas questões éticas, que os governos devem considerar com urgência. Quais deveriam ser os limites éticos da IA?

R: Este é um tema muito importante para nós, algo que Brad Smith aborda em profundidade no seu novo livro “Tools and Weapons”, escrito em colaboração com Carol Ann Browne. Pensamos que todo o trabalho em Inteligência Artificial deve seguir princípios éticos baseados em valores importantes e universais. Mais concretamente, a IA deve estar pensada para tratar as pessoas de maneira equitativa e evitar a parcialidade, ser fiável e segura de usar, respeitar a privacidade e a proteção dos dados, ser inclusiva para toda a comunidade e o indivíduo, e ser transparente nos seus processos e funcionamento. Finalmente, devemos ser responsáveis pelas soluções que criamos.

P: Pensa que a IA deveria ser regulada? Como?

R: Pensamos que, precisamente para nos assegurarmos de que temos uma IA responsável, os governos devem adotar uma abordagem proativa na regulação da tecnologia Pensamos que, para que a regulação beneficie da melhor maneira cada comunidade, é essencial que os governos tenham cada vez mais conversações com os criadores de tecnologia. Para nós, na Microsoft, é fundamental gerar esses fóruns e pontes para que os governos conheçam a fundo as tecnologias e possam produzir regulação que não tenha um impacto negativo na inovação e na criatividade, e que impulse o empreendimento.

P: Como imagina a interação entre as pessoas e a IA até 2030?

R: Acreditamos que a IA oferece oportunidades incríveis para o avanço social e econômico das pessoas. A chave é desenvolver a IA de uma forma que se concentre no ser humano, com o objetivo de aumentar a ingenuidade das pessoas. A IA tem potencial para ajudar a sociedade a superar alguns dos desafios mais importantes: desde a redução da pobreza e a melhoria da educação até à prestação de serviços de saúde, a erradicação de doenças e a produção de alimentos suficientes para a população mundial.

Imagine, então, o que significaria em termos de vidas salvas, alívio do sofrimento e aumento do potencial humano se pudéssemos aproveitar a IA para nos ajudar a encontrar soluções para estes desafios? Tal como acontece com os grandes avanços do passado (incluindo eletricidade, telefone e transístores), a IA trará grandes mudanças, algumas das quais são difíceis de imaginar hoje em dia.

Do mesmo modo, como ocorreu com os avanços tecnológicos prévios, devemos pensar longamente em como abordar as questões sociais que estas mudanças produzem. Todos teremos que trabalhar juntos para garantir que a IA se desenvolva de maneira responsável, para que as pessoas confiem nela e a apliquem extensivamente, tanto para incrementar a produtividade pessoal e comercial, como para contribuir para a resolução de problemas sociais.

P: Qual é a sua visão sobre o futuro do trabalho, no referente às máquinas e aos robôs como substitutos das pessoas?

R: Tem-se debatido muito sobre a substituição das pessoas pela IA, em particular no trabalho manual, que pode ser automatizado; no entanto, pensamos que esta visão simplifica o impacto da tecnologia. Praticamente qualquer trabalho inclui elementos de rotina que afetam a produtividade. Se a IA é capaz de realizar essas tarefas, isso permitirá aos trabalhadores centrar a sua atenção em situações mais importantes.

Em lugar de substituir os humanos, a IA é um complemento, um apoio que permite às pessoas tomar as decisões que requerem a sua atenção. A Inteligência Artificial está a transformar o mundo do trabalho, e embora possa vir a eliminar algumas funções, a IA gerará novos trabalhos, muitos dos quais ainda não existem.

O mesmo fenómeno sucedeu com cada revolução industrial; a vantagem reside em que, desta vez, podemos preparar-nos com melhores conhecimentos, para que a mudança seja benéfica para todos.

P: O que opina sobre a manipulação dos dados privados dos usuários por parte das grandes empresas, como Facebook e Google, o caso de Cambridge Analytica, etc. ?

R: Consideramos a privacidade como um valor fundamental, e a sua proteção é essencial para ganharmos a confiança dos nossos clientes.

P: Quais são as diferenças entre a Microsoft e o resto das companhias que compilam big data no que se refere ao tratamento, gestão e venda dos dados pessoais?

R: Microsoft só utiliza os dados do cliente para proporcionar os serviços acordados, e com as finalidades relacionadas com a prestação desses serviços. Não partilhamos os dados dos nossos clientes com os nossos serviços apoiados por anunciantes, nem realizamos garimpagem de dados para marketing ou publicidade.

 

Lalo Zanoni
Sócio da agência Thet Studio
Jornalista especializado na área da tecnologia e dos novos meios. Escreve para diversos meios de comunicação, como Forbes, o diário El Cronista e as revistas VIVA (Clarín), Brando, Wobi e El Planeta Urbano, entre outras. Em 2006 recebeu o Prémio TEA Estímulo ao melhor jornalista nos meios digitais. Fundou em 2007 a agência de “social media” Tercerclick, e manteve um blogue sobre cibercultura. Atualmente é sócio da agência Thet Studio. Além disso, é autor de programas de rádio, docente universitário, consultor de empresas, e participa como speaker em palestras sobre tecnologia e inovação em diferentes eventos locais e internacionais.
César Cernuda
Vice-presidente Corporativo de Microsoft Corporation e Presidente de Microsoft para a América Latina
César Cernuda é Vice-presidente Corporativo de Microsoft Corporation e Presidente de Microsoft para a América Latina. Licenciado em Administração de Empresas e Marketing pela Universidade ESIC, completou um Programa de Desenvolvimento Diretivo na Escola de Negócios IESE da Universidade de Navarra, e o programa de “Liderança para Altos Executivos” da Escola de Negócios de Harvard. Foi alvo de reconhecimentos outorgados pela Câmara de Comércio Espanha-EUA, e pelo Hispanic IT Executive Council, entre outras instituições. Representa Microsoft no conselho do “Council of the Americas”, e no conselho do “Trust of the Americas”.

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